A natureza prossegue, indiferente. Todos os anos, quando começa setembro, daquela terra adormecida e inóspita, um caule verde, comprido, fura o seu caminho que culmina numa flor de campânula cor-de-rosa. Ensinaram-nos, na ilha Terceira, depois de cavarmos com as mãos os bolbos, à beira da estrada, que se chamam "meninas-vão-para-a-escola" por florirem sempre nesta altura do ano. Passaram 22 anos desde que ouvimos essa história.
No dia 1 de setembro de 2004, quando foi cercada a escola de Beslan, na Rússia, que resultou na morte de mais de 330 pessoas, entre as quais 186 crianças que regressavam à escola, o vaso também floriu. Nesse ano, passou a ter por companhia um anjo branco a lembrar os meninos que em mais nenhum setembro voltariam à escola.
Este ano, em todo o mundo, o regresso à escola é diferente. As meninas-vão-para-a-escola e os meninos também, porque tem de ser. Para bem deles, dos pais, dos professores, da economia. Com mais receios ou menos, com a angústia mais controlada ou menos, os pais vão mandar os meninos e as meninas para a escola.
Na minha varanda, um bolbo das mesmas flores já floriu, que é a maneira que a natureza, o mundo, o destino, ou aquilo em que quisermos acreditar, tem de nos dizer que a vida continua. Não importam as dores, os medos ou as incertezas que carregamos, o mundo não fica à espera.
Para mim, porque quase não me lembro da vida antes de ser organizada em função do calendário escolar, o ano começa em setembro. Muito mais do que janeiro, setembro é o mês do recomeço. Dos livros com cheiro a novo, dos cadernos a estrear, da possibilidade de novos amigos, da criação de novas rotinas, da reorganização de horários. Em setembro, assim como as meninas-vão-para-a-escola, eu também começo um novo ciclo.
Este é um setembro difícil porque me assusta a dúvida do que trará outubro, como vão ser longos os meses de inverno quando não tivermos a possibilidade do ar livre onde o vírus circula menos, o Natal que provavelmente vai ser muito mais solitário, e tantas outras coisas que na minha mania de pensar e repensar me levariam facilmente a uma espiral paralisante de angústias. Acontece que decidi que não vai ser assim. Vou dar a setembro tudo o que setembro merece: a vontade de recomeçar depois do sol e das tardes longas de agosto, a certeza dos desafios para superar, a convicção que todos estes meses me tornaram mais forte, a espectativa da luz, do sol, da chuva, do vento, que bailam nas pétalas de cada flor que se atreve a furar a terra.
Neste setembro, diferente de todos, as meninas-vão-para-a-escola, como em todos os setembros. E eu? Eu vou continuar a encantar-me com as páginas em branco dos cadernos a estrear.
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