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Mensagens

A mostrar mensagens de abril, 2021

De que falam as saudades?

De que falam quando, sentada, sozinha num quarto, escuto uma música triste? Que palavras se afogam em rios de silêncios feitos de notas musicais? Há sempre tanto que fica por dizer. Ou por vergonha, ou por não saber articular, ou para poupar os outros às misérias do meu sofrimento. E então não falam. As saudades. É mais fácil para mim e não constranjo os demais. Mas calá-las não quer dizer não as sentir, pois não? - Sê coerente – digo para o vazio. Gaja não chora. Para onde te foram as ganas de independência? És tão independente como o gato no telhado. Queres percorrer horizontes, mas, quando arrefece, voltas a casa ronronando, à espera da malga cheia e de festas na barriga. Quem te vê, menina, quem te ouve. Pois não és tu que gostas de solidão? De quartos vazios, de praias desertas? Não és tu que foges a abraços prolongados, que disfarças para fugir a um beijo?   Mas também és tu que saltas da cama meia hora antes do despertador para não a deixares sair sem levar
  Certa noite, há uns anos, tive uma situação desconfortável com um colega de trabalho. Aconteceu num jantar, em que toda a gente estava a beber, a dançar, num clima de descontração e boa disposição. O colega não me agradava especialmente, mas, para não parecer antipática, aceitei dançar com ele.   Agarrou-me e falou-me de uma forma abusiva. Não fui capaz de reagir. Não abri a boca, não o empurrei, nada. Dancei até acabar a música.   Fez-me sentir humilhada. Fez-me sentir culpada. Pela roupa que escolhi, por ter bebido uns copos, por me rir, por aceitar dançar. Fez-me sentir suja e reles.    Achei que me tinha “posto a jeito”.   Demorei uns 5 ou 6 anos a contar ao meu marido. Tive vergonha. Tive receio que, também ele, achasse que a culpa fora minha.  Não me queixei. Continuamos a trabalhar no mesmo corredor. A dizer boa tarde ou bom dia.   Nunca mais fui a um jantar de trabalho.   #metoo   Não sei se é por também eu ser arquiteta. Não sei se é por também eu ter sido alun

beira-mar de 6ª feira

 8.15 de uma manhã de sexta feira. Fui treinar cedo e estou sentada, no areal vazio, com um copo de café na mão. Não oiço música porque quero escutar o rumor das ondas. O restolhar quando se fazem espuma. O sussurro no momento que enrolam. Há vidas melhores, dizem, mas eu não acredito. Eu gosto desta. Eu quero esta. Com todas as possibilidades de evolução e mudança. Quero esta, mesmo em anos de pandemia, longe dos meus, longe dos amigos, carente de abraços e beijos sem medo. Quero esta, apesar dos dias em que não foi (não é) fácil. Ou, até mesmo, por causa deles. Há tanto que podia ser diferente, que podia ter feito de outra forma, ter optado pelo outro caminho, na bifurcação. Mas não. E aqui estou. Inevitável, como as ondas que rebentam e moldam a beira-mar. Também eu em matizes de azuis, ou verdes, ou cinzentos carregados de chumbo, que tornam os dias pesados de angústia. É também eu na leveza da espuma, que se solta, quase voa, e sonha. Também eu, sólida mas maleável com

De Philip a Sócrates

  Começo já por avisar que estou de mau humor, portanto daqui não vai nada de bom. Quem quiser continuar a ler, faça favor, mas fica prevenido que vai ser um bocado ácido. Adiante. O primeiro assunto que me causou um certo engulho foi a morte de Philip, Duque de Edimburgo. O príncipe—consorte (ou com sorte, como queiram). Alguns acharão que lhe saiu a sorte grande. Ele, por assim dizer, um refugiado vindo da Grécia. Outros dirão que lhe custou cara a entrada na monarquia britânica. Queria ser rei. Não foi. Dizia um dos filhos, a propósito da vida do pai, como ele foi fantástico no apoio à mãe e como a deixou sempre brilhar, sem lhe tentar fazer sombra. Ouvi um comentário semelhante, esta manhã, num programa de rádio sobre desigualdade de género, que havia sido feito a propósito do, também artista, marido da pintora Vieira da Silva. Que também ele se apagara, para deixar sobressair a mulher. Ora vamos lá por os pontos nos is. Eles, os abençoados maridos, não “deixaram” coisa nenhu

Estamos no fim da Quaresma.

Como católica, este costuma ser o período do ano em que me recolho, em que me revejo, em que sou juiz de mim própria, em que me proponho a fazer uma caminhada melhor. Costumo chegar ao Domingo de Páscoa com a confiança de que, apesar de estar muito aquém, estou a caminhar e vou no sentido certo. E isso conforta-me e prepara-me para o que vier. Então, o que mudou? Não foi a fé. Não foi a certeza de que existe algo muito maior do que eu. Não foi sequer a certeza de que um dia, quando isto aqui deste lado chegar ao fim, vou prestar contas do que fui, do que fiz, dos meus erros e tentar equilibrar a balança com o que fiz de bom, o que dei, o que amei. Estou convencida de que assim será e estou preparada para aceitar e assumir o caminho que percorrer até lá. Nada disso mudou. O que mudou, foi o que sinto que pesará nesse juízo. Não porque mudaram as crenças que tenho naquilo que é certo, que é importante, que vale. Pelo contrário. O que mudou é que deixei de acreditar no juízo dos h