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De Philip a Sócrates


 

Começo já por avisar que estou de mau humor, portanto daqui não vai nada de bom. Quem quiser continuar a ler, faça favor, mas fica prevenido que vai ser um bocado ácido. Adiante.

O primeiro assunto que me causou um certo engulho foi a morte de Philip, Duque de Edimburgo. O príncipe—consorte (ou com sorte, como queiram). Alguns acharão que lhe saiu a sorte grande. Ele, por assim dizer, um refugiado vindo da Grécia. Outros dirão que lhe custou cara a entrada na monarquia britânica. Queria ser rei. Não foi. Dizia um dos filhos, a propósito da vida do pai, como ele foi fantástico no apoio à mãe e como a deixou sempre brilhar, sem lhe tentar fazer sombra.

Ouvi um comentário semelhante, esta manhã, num programa de rádio sobre desigualdade de género, que havia sido feito a propósito do, também artista, marido da pintora Vieira da Silva. Que também ele se apagara, para deixar sobressair a mulher.

Ora vamos lá por os pontos nos is. Eles, os abençoados maridos, não “deixaram” coisa nenhuma. Elas ocuparam o lugar a que tinham direito, por herança, por mérito, por talento, trabalho e esforço. Simples e só. Não foi porque gajo algum lhes fez o jeito.

Esta era uma questão que me estava a arreliar.

 

A outra, é o assunto fresquinho do país. Então, o Sócrates não é corrupto? Ou é, mas já não vai a tempo de se provar. Ou as provas não são grande coisa. Olhem, eu de tribunais e juízes, percebo pouco. Destes expedientes em que os advogados de defesa parecem exímios para fazer atrasar processos, ainda percebo menos. Mas de justiça, o senso comum dá-me umas luzes. A mim, e aos milhões de portugueses indignados com o rumo que todo o caso levou e continua a levar. Posto isso, preocupa-me o aproveitamento que os imbecis do costume irão, mais que certamente, tentar fazer deste caso.

Aproveitando a indignação nacional (quase) coletiva, lá virá o discurso fácil de que a justiça está sem mão, o Estado está ameaçado, esta esquerdalha coloca o país a saque e compromete a segurança dos cidadãos de bem.

E é aqui que eu penso que vale a pena parar um bocadinho para pensar. Afinal, a que minoria pertence esta pandilha que se julga dona disto tudo e continua a passar incólume, de esquema em esquema, levando o dinheiro alheio para o panamá ou as ilhas caimão? Sempre que lhes vemos as fuças, constatamos que são gajos brancos, bem-apessoados, cheios de nota e bem relacionados, que se filiam em qualquer partido e vestem camisolas de diversos clubes.

Este, por acaso, até foi primeiro-ministro.

Não fosse todo esse conjunto de características e só não ia bater com os costados na pildra por muitos e bons anos, pelos ditos crimes de corrupção porque, muito simplesmente, não tinha oportunidade para os ter cometido.

 

E pronto, por hoje é isto que me está a bulir com os nervos.

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