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A mostrar mensagens de junho, 2021

Quase 45

  Perto de completar quatro décadas e meia, já dá para ir tendo uma ideia do que isto é. Do que conta. Do que importa e do que não vale um chavelho. Ao longo da minha existência, (que deve andar perto do meio, julgo eu, que tenho a ambição de chegar aos 100, com lucidez e saudinha), fui passando por algumas situações extremas que me obrigaram a alinhar os pratos da balança. Quem não? Talvez uns poucos, afortunados ou distraídos. O extremo, para mim, é a possibilidade de perder ou ver sofrer as pessoas que amo. Claro que há outro nível de situações extremas, não tão íntimas, que me abalam e dão que pensar, mas que, por não mexerem diretamente comigo, não sendo eu uma Madre Teresa, não me abanam até aos alicerces. Se deviam? Talvez devessem. Mas ainda não atingi esse nível de abnegação. Quem sabe, nas próximas décadas. Por enquanto, as minhas grandes vulnerabilidades residem no sofrimento dos meus. Há poucas coisas tão cruéis como vermos faltar o ar a alguém, sem conseguirmos subst

Lealdade

  Lealdade é fácil, quando é às causas em que acreditamos ou às pessoas de quem gostamos. Difícil é ser Leal para além das ideias e sentimentos, ou permanecer leal apesar deles. Difícil é calar a boca quando a vontade de levantar a voz se engasga na garganta. Baixar os olhos quando cremos que a razão está do nosso lado. Difícil é encolher o nosso discurso até ao limiar em que deixa de ferir compromissos que, apesar de desagradarem, assumimos e temos de honrar. É quando caímos naquele escreve, apaga, escreve, apaga, até moldar as palavras a que algumas posições obrigam. E aprender a cultivar silêncios, tentando retirar-lhe a eloquência. Sim, porque há silêncios que são verdadeiros discursos. Há até presenças, no lugar certo, aos olhos errados, que se prestam a escrutínios e autos de má-fé. E então a lealdade cai, por vezes, numa espécie de cinismo disfarçado de uma placidez que não se sente. Tudo para não quebrar conveniências que, no fim se calhar não importam. E nem basta a pont

Crónicas de Desenganos

 I.  Dos encantos quebrados Lembras-te de quando me encantavas? Falavas e a tua voz era uma carícia, a derreter-me entre as pernas. Se calhava de acordar, a meio da noite, fitava o teto e, de olhos abertos, inventava pesadelos que culminavam connosco desistidos um do outro. Pensava não haver vida além de ti. Dei-te o avesso, as entranhas, e toda a demais escuridão.   Achei que, se me faltasses, a vida me condenaria à renúncia e retidão. Sabia-te, sem tocar, o queixo áspero. Via-te a língua bater nos dentes brancos, e os meus lábios mexiam como se sorvessem os teus.   Naqueles acasos em que a tua respiração me roçava a pele, eu cria que era essa a razão de não ter escamas. Nem penas. Nem roupa.  Um toque do teu suspiro, despiria até a alma. E despi. Tu é que não soubeste.    Depois, sem aviso, morreu o encanto. Não sei dizer-te como foi. Num instante fugaz, olhei-te e não brilhaste. Foste só um corpo, igual aos outros corpos. Quis buscar-te a luz nos olhos, mas lembr