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Lealdade

 


Lealdade é fácil, quando é às causas em que acreditamos ou às pessoas de quem gostamos.

Difícil é ser Leal para além das ideias e sentimentos, ou permanecer leal apesar deles. Difícil é calar a boca quando a vontade de levantar a voz se engasga na garganta. Baixar os olhos quando cremos que a razão está do nosso lado. Difícil é encolher o nosso discurso até ao limiar em que deixa de ferir compromissos que, apesar de desagradarem, assumimos e temos de honrar.

É quando caímos naquele escreve, apaga, escreve, apaga, até moldar as palavras a que algumas posições obrigam. E aprender a cultivar silêncios, tentando retirar-lhe a eloquência. Sim, porque há silêncios que são verdadeiros discursos. Há até presenças, no lugar certo, aos olhos errados, que se prestam a escrutínios e autos de má-fé.

E então a lealdade cai, por vezes, numa espécie de cinismo disfarçado de uma placidez que não se sente. Tudo para não quebrar conveniências que, no fim se calhar não importam. E nem basta a pontada de um orgulho inglório de dizer “eu fiz o que estava certo, apesar de”.

Uma lealdade oca, desprovida de sentido, mas que persiste. Insiste.

Uma lealdade que corrói. E dói. E mói. Pouco corajosa, nada bravia.

Das lealdades fáceis é que reza a história, sobretudo das que nascem de grandes sacrifícios, de espíritos altruístas, abnegados.

Destas lealdades a morder a língua, ácidas como próprio veneno, poucos falam. E menos, ainda, premeiam. Nenhuns agradecem.

São lealdades que não engrandecem nem gratificam.

Então, porquê mantê-las? Pela ânsia de dias tranquilos? Pelo zeloso dever?

Ou é apenas pela fanfarronice de nos dizermos melhores que os outros?

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