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It’s beginning to look a lot like Christmas.

 


Is it?

Montei a arvore. O presépio. Fiz arroz doce. Acendi as luzinhas e inspirei fundo o ar frio a ver se dezembro entrava. Não sei o que se passa com o tempo. Ou se é com o tempo que se passa. Faltam 20 dias para o Natal e eu esqueci-me da playlist pirosa e da coroa do advento. As figuras do presépio parecem-me só figuras. Comi uma rabanada que me enjoou ao ponto de prometer não comer nenhuma mais.

Se calhar não é o tempo. Se calhar sou eu, que ando perdida por setembro de 2020, quando os pores do sol eram intermináveis e cria que no ano seguinte já tudo estaria bem.

O ano passado aguentei o Natal esquisito, a ausência de abraços, de colos, de mesas barulhentas, de jantares com amigos, de famílias sem medos. O virar do ano tranquilo, resguardado, sem fogos de artificio e outras companhias, pareceu-me um bom augúrio para o que viria em 2021.

Mas este ano está difícil. Não me saem da cabeça as palavras à mesa do dia 1 “tenho a sensação que 2020 vai ser um ano extraordinário”. E foi, não foi pai? Temos de lhe tirar o chapéu. Tão extraordinário que se tem vindo a arrastar por estes 12 meses do ano seguinte.

E eu sei que devo estar grata. Eu sei e estou. Porque os meus estão bem. Porque nenhum de nós perdeu o emprego ou ficou com contas por pagar. Porque continuamos a ter-nos uns aos outros, apesar da distância. Porque ganhámos dois novos amores.

Estou grata, tremendamente grata. Só não estou feliz. E não estou no avento e não sei se vou estar no Natal. Nem se vou acreditar nas 12 badaladas a encerrar o dia 31.

Quero as minhas pessoas. Quero abraços sem medo. Quero pegar nas minhas sobrinhas ao colo e esmagar o nariz contra a penugem das suas cabeças. Quero celebrar com amigos, com conhecidos e com gente a abarrotar as ruas. Quero estar na cozinha, com a mãe a fritar sonhos, e lamber o açúcar dos dedos. Quero parar de meter zaragatoas no nariz.

Não parece Natal. Nem dezembro. Parece o tal sonho estúpido. 

E já era tempo de acordar.



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