Avançar para o conteúdo principal

Catadupas de informação

A semana acabou difícil. Sexta-feira foi dia de ir trabalhar ao vivo e a cores e isso provoca-me um desgaste enorme porque não consigo, nem por 5 minutos, deixar de pensar na carga viral que poderá ter quem se aproxima de mim. Agravou a situação o facto de que o meu computador não estava a funcionar e portanto, o meu posto de trabalho que eu desinfeto escrupulosamente assim que chego e a sala que arejo, foi ocupado, à vez, por outras pessoas que tentavam resolver o problema. Cheguei às 8h50. O computador ficou operacional às 16h30. Às 16h45 vieram avisar que tínhamos de sair até às 17h00 porque iam fechar o edifício. Das 7 horas que lá estive gastei cerca de 3 a desinfetar-me e a desinfetar a sala, secretária, teclado, rato, telefone, etc., meia hora a falar com o chefe, cerca de 10 minutos em reunião online e as restantes a olhar para o balão. Em casa tenho conseguido trabalhar o dia inteiro, concentrada, sem interrupções, com um computador que, não obstante a idade, funciona.

(Pausa para meditarmos sobre o assunto)

Bom, depois desse dia maravilhoso, já que estava na rua, suja e infetada como a pessoa agora se sente cada vez que partilha espaços fechados, achei que era de aproveitar e ir ao supermercado. E fui. Correu muito bem - fila ordeira, pessoas respeitadoras, pouquíssima gente na loja – mas deprimiu-me um bocado.

Finalmente chegada a casa, depois de me despir na varanda (acho que já nenhum vizinho liga ao ver pessoal de roupa interior nas varandas), embalagens desinfetadas e arrumadas, carteira a apanhar solinho, estava física e psicologicamente exausta.
Estiquei-me no sofá a assistir ao meu guilty pleasure, embrulhada numa manta e com happy socks nos pés.
Depois disso o telejornal foi demais. Tive de me levantar da mesa do jantar. Eu sei que temos de estar informados e que há noticias que não devemos, de forma alguma perder. Mas não é preciso tanto. A sério que não. Talvez seja defeito meu, mas a minha capacidade para absorver tanta desgraça está no limite. Tal como uma esponja que a certa altura não absorve mais, assim estou eu: em dado momento preciso de escorrer o que entrou para ter capacidade para mais.
Oiço rádio enquanto trabalho, o noticiário ao almoço e diariamente o meu filho informa-nos do relatório da DGS e recebo informação da situação no Concelho. É suficiente. É imenso, na verdade.
Desculpem se pareço insensível, mas não aguento ver horas a fio os funerais sem famílias, os caixões em fila, os médicos à beira da exaustão.
Eu sei que é isso que está a acontecer. Sei e dói que se farta. E mete medo que se farta. Desde que esta pandemia se tornou tão real para nós, não houve uma única noite que tenha dormido seguida. Tudo magoa, desde a impotência à saudade, desde a compaixão à insegurança. Não é por não sentir tudo isso, é precisamente porque precisamos de umas pausas destes sentimentos em demasia. Eu, pelo menos, fraqueza minha talvez, preciso muito de períodos de time out ao longo dos dias.
Há duas coisas com que estou a começar a lidar bastante mal: o excesso de álcool nas mãos (terrível para quem tem pele atópica) e o excesso de informação.
Relativamente à primeira, nada a fazer. É hidratar, hidratar. Relativamente à segunda, o que proponho é: reduzir os momentos de acesso a noticiários de forma a estarmos atualizados mas não constantemente assoberbados e evitar o envio de mensagens, vídeos e afins com informações sobre Covid-19.
Pela minha parte, enviem-me outras coisas como “a amazon que abriu a plataforma e os e-books são gratuitos”, músicas fixes para cantar alto, musicas que parecem trazer a discoteca para nossa casa, copos de vinho a meio do brinde, ou selfies pessoal, que saudades eu tenho é das vossas caras, o Covid vejo todos os dias.

Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Mudanças

  Vais ter de mudar de casa, lamento, já não cabes aqui. Empacotei as tuas coisas. Quero que saias já. Fiz a partilha sozinha porque a casa é minha. Levas as noites quentes, o meu sorriso e a televisão. Ah, e levas também os orgasmos. Metade eram falsos. Com as madrugadas fico eu. São as horas em que escrevo melhor. Também guardo o cobertor e o gato. Não precisas de confortos. A culpa, deitei fora. Não tapava nem frinchas. Pelo meio das arrumações, encontrei um bilhete, pingado de café, “compra-me tampões. SEM APLICADOR!”, com um coração no canto, a piscar o olho. Rio-me. Sobra de nós uma hemorragia inútil. Abro uma garrafa de tinto e sento-me, no chão da cozinha, a brindar aos infortúnios. Tens à porta a mala e dois caixotes. Levas o bengaleiro, detesto os casacos pendurados na entrada. E os amigos, com quais ficas? Que sejam eles a escolher. Por mim, dois ou três bastam. Não toques à campainha. Vê lá se, ao menos desta vez, trazes a chave contigo. Deitei a tua escova de

It’s beginning to look a lot like Christmas.

  Is it? Montei a arvore. O presépio. Fiz arroz doce. Acendi as luzinhas e inspirei fundo o ar frio a ver se dezembro entrava. Não sei o que se passa com o tempo. Ou se é com o tempo que se passa. Faltam 20 dias para o Natal e eu esqueci-me da playlist pirosa e da coroa do advento. As figuras do presépio parecem-me só figuras. Comi uma rabanada que me enjoou ao ponto de prometer não comer nenhuma mais. Se calhar não é o tempo. Se calhar sou eu, que ando perdida por setembro de 2020, quando os pores do sol eram intermináveis e cria que no ano seguinte já tudo estaria bem. O ano passado aguentei o Natal esquisito, a ausência de abraços, de colos, de mesas barulhentas, de jantares com amigos, de famílias sem medos. O virar do ano tranquilo, resguardado, sem fogos de artificio e outras companhias, pareceu-me um bom augúrio para o que viria em 2021. Mas este ano está difícil. Não me saem da cabeça as palavras à mesa do dia 1 “tenho a sensação que 2020 vai ser um ano extraordinário

Manifesto

  Esta noite tive um sonho demasiado lucido. Se acreditasse em fenómenos paranormais, diria que viajei num universo paralelo. A sala era luminosa. As pessoas recostavam-se, dispostas em hemiciclo. O orador falava, embalando a assistência. - O coração é um músculo cuja função é bombear sangue e provocar mortes súbitas. Para uma morte tardia, não devemos subverter este princípio. As palavras flutuavam, como uma melodia, conduzidas pela brisa morna. - Os indivíduos, ao atribuir ao musculo estímulos para os quais não foi concebido, como amar, sobrecarregam-no e acabam por danificá-lo. O amor tem propriedades corrosivas que provocam lesões irreparáveis nos tecidos do coração e que, transportadas pelo sangue, se espalham às outras partes do corpo. As pessoas ouviam e anuíam, perante aquela explicação cabal para as dores que sentiam. As pestanas carregavam-se de lágrimas. As chagas que os afligiam mais não eram, afinal, que o resultado do uso inadequado do coração. - Como qualqu