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Certa noite, há uns anos, tive uma situação desconfortável com um colega de trabalho. Aconteceu num jantar, em que toda a gente estava a beber, a dançar, num clima de descontração e boa disposição. O colega não me agradava especialmente, mas, para não parecer antipática, aceitei dançar com ele. 

Agarrou-me e falou-me de uma forma abusiva. Não fui capaz de reagir. Não abri a boca, não o empurrei, nada. Dancei até acabar a música. 

Fez-me sentir humilhada. Fez-me sentir culpada. Pela roupa que escolhi, por ter bebido uns copos, por me rir, por aceitar dançar. Fez-me sentir suja e reles.  Achei que me tinha “posto a jeito”. 

Demorei uns 5 ou 6 anos a contar ao meu marido. Tive vergonha. Tive receio que, também ele, achasse que a culpa fora minha. Não me queixei.

Continuamos a trabalhar no mesmo corredor. A dizer boa tarde ou bom dia. 

Nunca mais fui a um jantar de trabalho. 


#metoo

 

Não sei se é por também eu ser arquiteta. Não sei se é por também eu ter sido aluna de arquitetura, num universo em que muitos professores eram verdadeiras bestas com um gosto particular em humilhar as alunas. Não sei se é por também eu ter ouvido comentários machistas por parte de um professor quando frequentei, grávida, o terceiro ano do curso. Não sei se é, também, por tudo isto, que Tomás Taveira me mete tanto nojo. 

 

Há tanta coisa errada neste mundo (ainda) de homens. Há tanta selvajaria, tanta alarvidade, tanta violência a passar impune perante olhares compassivos da justiça, mas e sobretudo, dos outros homens.  

Cada boca que se cala, é cúmplice. Cada sorrisinho, é cúmplice. Cada aceno, em concordância, é cúmplice. 

Há comportamentos que não podem ser tomados por brincadeiras inocentes.

É difícil de entender onde está o limite? Eu ajudo.

Homem, se tens dúvidas relativamente à atitude certa a tomar, usa esta estratégia: imagina que se trata da tua filha. O que te parece? 

O que te parece se um bandalho, num jantar da empresa, se roçar nela? O que te parece se o patrão gravar um vídeo de sexo anal com ela? E se houver gente por todo o lado a ver e divulgar?

O que te parece se ela entrar numa sala e os teus amigos só virem mamas e rabo? O que te parece o comentariozinho brejeiro? Já não tem graça, pois não? Então, é isso.

 

As mulheres não são flores de estufa, não. Nem são hipersensíveis. Nem estão sempre a sofrer de TPM, nem de histeria. As mulheres também não são objetos. Nem estão à disposição para as fantasias alheias. As mulheres não se põem a jeito se usarem uma saia curta, dançarem ou beberem uns copos.

As mulheres são seres humanos que merecem ser tratadas com respeito.  TODAS. SEMPRE.


#aTuaÉaNossaLuta

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