Senta-se num dos lados da mesa, à
frente dela.
Ela recosta-se, cruza as mãos abaixo do
peito e sorri-lhe.
Ele olha-lhe para o decote e espera. Não
quer começar. Já sabe como vai ser: ela vai continuar a sorrir e a incentivá-lo
a falar, ele vai responder com monossílabos e encolher de ombros e ela vai
tentar adivinhar o que ele não está a dizer. Ele vai ficar cada vez mais
impaciente, pensar no telemóvel sem som guardado no bolso, senti-lo vibrar,
sabendo que não lhe pode mexer, e começará um tamborilar nervoso com os dedos na superfície
da mesa. Ela perceberá e, sem deixar de sorrir, irá perguntar-lhe se quer atender.
Ele, encolhendo os ombros mais uma vez, responderá que não é urgente. E não é. A
única urgência que tem é de sair dali, de voltar ao conforto do seu silêncio.
Ela está
a tentar ajudar, ele sabe. Não é porque gosta dele, provavelmente não gosta
mesmo nada dele. Atualmente, é difícil gostar-se dele. Ele também não gosta
dela. Cobiça-lhe o decote apenas por despeito. Só tenta ajudá-lo porque ele
lhe paga. E como lhe paga, ele acha que tem o direito de lhe bloquear todas as
tentativas de ajuda. A culpa não é dela. Nem sequer do decote.
Ele é que ainda não gastou a pena que tem de
si próprio.
Quando se viu ao espelho, nessa manhã,
e sorriu, gostou das olheiras fundas e do olhar derrotado. Gostou dos ombros quebrados
a espelhar resignação.
Não está pronto para se despedir da
tristeza. Sente-se seguro nesse abandono e a falta de vontade liberta-o das
expectativas.
Quer esquecer-se do mundo. Não tem a
certeza se quer que o esqueçam.
Podia perguntar-lhe. Ela saberia responder.
Durante uma hora, ela está ali para o ajudar. É para isso que lhe paga. E sabe que ela podia, se ele deixasse. Mas, como
lhe paga, vê-se no direito de a impedir.
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