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Living on a prayer



“Aos nossos bisavós pediram para ir para a guerra. A nós apenas nos pedem para ficar em casa.”  - foi uma frase que ouvi .
Sim, a nós só é pedido que fiquemos em casa. Mas é muito mais do que isso, não é?
Pedem-nos para não fazer inúmeras coisas que nos dão prazer como jantar fora, ir ao cinema, ao shopping, a um museu, ao ginásio. Pedem-nos para termos calma, sermos respeitadores e ordeiros. Pedem a muitos que fechem o seu negócio. Pedem-nos para não viajar de avião, nem de comboio, nem de carro – só uma voltinha de bicicleta e pertinho de casa.
Mas mais do que isso, e que penso que será o que mais nos pesa, pedem-nos para evitar os contactos sociais. Para não visitarmos aqueles de quem mais gostamos e por quem mais tememos. Para não ir dar aquele abraço de que tão desesperadamente precisamos. Para não irrompermos pela casa dos nossos pais a dentro, em lágrimas, a pedir colo. Pedem que não vamos dar colo aos jovens adultos, nossos filhos, que ficaram do outro lado desta barreira. Que não nos juntemos para aniversários, que façamos festas por vídeo chamada.
Está certo. É preciso. Mas não me lixem! Isto não é só ficar em casa. É ficar em casa e tentar que o mundo continue a rolar. É cada um fazer a sua parte e contribuir para que o país não pare, com voluntariado, com teletrabalho (benditas as novas tecnologias). É cada um de nós, que de certeza passa momentos de insegurança e estupefação perante esta situação inaudita, fazer das tripas coração e encontrar forma de tornar os dias mais leves para os outros. É sentirmos muitas saudades de tudo o que tínhamos e desejar com muita força que esteja tudo no mesmo sitio quando a pandemia for embora.
E está certo. É o que devemos (temos!) de fazer. Pelo bem de cada um e pelo bem de todos. E vamos fazê-lo com empenho, com espirito de sacrifício e com muita gratidão por aqueles que todos os dias saem de casa para salvar vidas e tratar doentes.
É só ficar em casa, está bem. Mas é duro que se farta. Vai pôr-nos à prova dia após dia. Vai levar-nos a perto da loucura algumas vezes. E vai tornar-nos pessoas melhores: com mais coragem, mais disciplinadas, mais altruístas, mais conscientes.

Comentários

  1. Tão bem sintetizado, obrigado!
    "Vai tornar-nos pessoas melhores...", assim seja, porque o preço é demasiado alto para nos atrevermos a voltar ao pior de nós. Connosco próprios, com os outros e com o planeta.

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