Adoro quando me apitam nos semáforos. Uma rapariga demora-se
mais 10 segundos do que o necessário a arrancar e há um estupido qualquer “fuéééé
fuéééé´”, todo nervosinho, já a guinar o carro para a esquerda numa tentativa
de ultrapassagem. Adoro os gestos e imagino o discurso machista lá no interior
do veículo “gajas ao volante é isto, deviam era estar em casa no fogão”, etc,
etc, para manter a conversa num nível decente.
(Aliás, adoro discursos machistas em geral. “As mulheres não
devem levantar peso porque ficam com corpo de homem” ou “não acho bem que o teu
marido esteja a lavar o chão” ou “andar à porrada é coisa para homem” ou “com
aquele decote está mesmo a pôr-se a jeito”, isto, uma vez mais, para manter a
conversa num nível decente. E, cereja no topo do bolo, os comentários mais
machistas saem muitas vezes da boca das mulheres.
Mas isto não ia ser um post sobre a igualdade de género
portanto, agora que já fiz o meu desabafo e que aproveito para acrescentar que
uma mulher consegue fazer tudo o que um homem faz (exceto xixi sem despir as
calças) de salto alto, vou fechar parêntesis e passar à frente.)
Demorei um bocado mais a arrancar no semáforo porque estava a
olhar para o telemóvel, mea culpa. Não
sei se também vos está a acontecer, mas eu estou a fazer um uso excessivo do
telemóvel, muito maior do que fazia no período pré-confinamento. Ao ponto de
ser chamada à atenção por andar sempre a espreitar se há alguma novidade. Claro
que a explicação para isso é simples: neste momento a nossa comunicação com
exterior, quer a nível pessoal, profissional ou lúdico, faz-se quase
exclusivamente por esse meio. Os telemóveis, e o meu não é exceção, vão
acumulando aplicações de videoconferência, opções de vídeo chamadas e festas
virtuais, grupos de amigos, de primos, de família, de voluntários, de vizinhos,
uns apenas para nos divertirmos, outros para serem uteis e alguns só mesmo para
serem chatos.
É inevitável desligar as notificações de vários grupos e
aplicações porque, de outra forma, nunca levantávamos os olhos do ecrã, mas
ainda assim…
E esta constatação leva-me a outro pensamento: como teria
sido estar fisicamente isolado numa altura anterior à internet? Daqui, inevitavelmente,
passo ao próximo pensamento: como conseguem comunicar com o exterior aquelas
pessoas que não são da geração sempre online? Como vêm os netos? Como assistem
à missa? Como leem o jornal? É que aquelas coisas que nós vamos alcançando com
um clique e que preenchem as imensas lacunas destes dias, não estão acessíveis a
todos, quer por falta de recursos, quer por falta de conhecimento.
Não é por acaso que são as pessoas de idade que têm mais
dificuldade em manter-se confinadas às suas casas. Nem é por acaso que os
adolescentes e jovens adultos são os que melhor se adaptam a esta rotina:
afinal de contas, já passavam mais de metade da vida confinados ao seu quarto,
a comunicar por teclas.
Nós (quando digo nós é porque assumo que quem tem paciência
para ler isto deve ser mais ou menos da minha idade) estamos a meio termo. Somos
dos que gostam de sentar na esplanada, frente a frente, a emborcar finos e por
a conversa em dia. Somos dos que, apesar de recorrer a sites de venda, ainda
gostam de ir ver as montras. Somos dos que gostam dos filmes no cinema, com
pipocas, apesar de termos aderido fervorosamente à Netflix. Somos dos que
precisam dos amigos ao vivo e não apenas do outro lado do teclado.
E depois, aí acho que corre novos, velhos, e assim-assim,
somos todos dos que têm imensas saudades de alguém. Que querem muito
abraçar alguém. E que querem voltar a ser pessoas sem medo.
Seria pretensioso da minha parte dizer que era nisto que
pensava quando o estúpido do carro de trás me buzinou no semáforo. Não era. Estava
só a ler mensagens.
Eu não sei se vocês alguma vez se deram ao trabalho de
contar o tempo que um semáforo está vermelho e que nos deixa tão enervados. Eu
já contei - é mesmo muito pouco. Se calhar são uns segundos que não fazem muita
diferença no nosso dia, portanto fica a sugestão: se a pessoa à vossa frente
demorar uns insuportáveis 10 segundos a arrancar, eh pá, respirem e larguem a
buzina.
É só uma ideia.
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