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Andra tutto bene


A gente faz-se forte. Cola um sorriso no rosto e manda a vida prosseguir, mesmo quando não tem muito para onde ir. A gente aguenta, anima-se, fica feliz por sossegar ou fazer rir aquela pessoa. Arranja tarefas e inventa desafios para avivar a vontade de chegar a algum lugar. Franze os olhos a tentar vislumbrar essa luz lá muito ao fundo do túnel e continua a caminhar, porque prá frente é que é o caminho. A gente impede-se de vacilar, se as pernas fraquejam dá-lhes mais uns minutos de corrida para saberem do que é que se queixam. A gente agarra-se àquilo que pode, para tornar os dias mais leves, mais alegres, mais fáceis. Para enganar o tempo e fingir que conseguimos escapar para além do espaço.
A gente cria fantasias, imagina-se já noutros lugares, a rolar o corpo despido na areia morna da praia, a deixar o mar gelar os pés, ou a repousar de olhos fechados, as costas contra o tronco de uma árvore grande e velha com o vento a soprar muito leve nos cabelos. A gente perde-se em sonhos e vontades, que abrem os olhos a meio da noite e que distraem durante o dia.
A gente não sabe bem a quantas anda. Recorda o dia em que a vida foi suspensa e pergunta-se como e quando vai a vida retomar. Tem dias que a gente nem sabe o que quer, parece que traz uma inquietação no peito e falta o saber ou a determinação para a sossegar.
A gente tem dias em que não vê os ponteiros do relógio andar, em que se sente incompleto e assoberbado ao mesmo tempo. Dias em que até o trabalho parece troçar das horas.
A gente procura um rumo, tenta focar-se e não consegue, porque tem a cabeça ocupada com um “I want to break free” em loop.
God knows I want to break free.
Mas a gente sabe que isto também passa. Dizem que há um pote de ouro no fim do arco-íris e também é esse arco-íris que diz que a gente vai ficar bem.
Então vamos lá, gente, à procura do arco-íris.

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