O confinamento deixa-nos impacientes.
Hoje, ao sair de manhã para caminhar, fechei a porta do corredor e não
reparei que o Miguel estava do outro lado. Quando cheguei a casa ele tinha destruído
o rolo de papel higiénico da casa de banho (ainda bem que já passámos a fase da
corrida ao papel higiénico).
Foi uma pequena vingança da parte dele. Nunca é demais recordar que o
Miguel é um gato.
A verdade é que estarmos confinados a um espaço não é natural para a
maioria de nós. Agora, equacionamos as saídas à rua de forma a reduzi-las ao
essencial e a fazer, de uma só vez, tudo o que implica idas ao exterior, para
minimizar as entradas em casa que são potenciais convites à entrada de vírus. O
simples facto de ir levar o lixo à reciclagem é adiado até poder ser acumulado
com outra qualquer tarefa ou com o passeio higiénico diário.
Tudo isto é novo para nós e nós somos, como se sabe, animais de hábito. Dito
isto, não canso de me pasmar com a capacidade de adaptação que temos
demonstrado cá em casa e que têm demonstrado a maioria das pessoas com quem
falo. Há exceções, claro, mas gente estupida e perigosa houve em todas as
épocas da história e infelizmente alguns até ganham eleições (Sim, sim,
acontece de forma recorrente).
Tudo isto também é novo para a democracia. Em regimes totalitários as
pessoas estão habituadas (má escolha de palavra), por força do medo imposto por
quem governa, a ver a sua liberdade, os seus movimentos, os seus
comportamentos, limitados de inúmeras formas. Nós não. Aqueles que, como eu,
nasceram depois de 1974, nunca tiveram ninguém a dizer-lhes com quem se podiam
juntar na rua ou que distância deviam manter dos outros, a não ser
ocasionalmente, na fase da adolescência, os progenitores, quando as companhias os
preocupavam.
Eu sou claustrofóbica. Por exemplo, não entro num elevador, o que agora
até dá imenso jeito porque são espaços pequeníssimos onde, se alguém espirra,
consegue atingir praticamente todas as superfícies. Também não gosto de outros
espaços fechados, nem de estar todo o dia dentro de casa. Por isso quando o
confinamento passou a ser obrigatório pensei que não demoraria muito a cair
numa profunda crise existencial, depressiva, obsessiva, qualquer coisa
parecida. Achei que me iria sentir profundamente infeliz durante os dias
inteiros. A verdade é que me tenho conseguido adaptar.
O confinamento deixa-nos impacientes, sim, e eu sou uma pessoa
impaciente. Mas não sou um gato, não posso vingar-me e destruir coisas.
Há dias mais difíceis, mas também há dias com momentos doces em que, por
motivos quase sempre muito simples, me sinto verdadeiramente feliz. Nestes dias
aprendi a ouvir com muito mais atenção, aprendi a valorizar cada troca de
palavras e cada sinal de amabilidade na rua, dos vizinhos, do senhor que varre
o lixo, do jardineiro, da dona da mercearia. Por estes dias preocupo-me mais em
sorrir e dizer bom dia a quem se cruza por mim.
Estou grata por me sentir saudável e porque os meus estão bem. Estou
também comovida com a tristeza, o cansaço e a desolação que assola o mundo
inteiro.
Estou a tornar-me numa pessoa mais paciente. Quando isto chegar ao fim
já consigo meditar ou fazer ioga…
Comentários
Enviar um comentário