Ora bem, então como é que está a ser isso de passar 24h sobre
24h, 7 dias por semana, com a vossa cara-metade? Quando decidiram juntar os
trapinhos e ser felizes para sempre, não contavam com isto no pacote, pois não?
Pois é, mas olhem, é na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na liberdade e no confinamento.
Cá por casa vai correndo bem. Definimos algumas regras e
rotinas que ajudam. Cada um trabalha no seu próprio “escritório”. Eu, durante o horário de trabalho, é como se não estivesse em casa: fecho a porta, ligo o
rádio e interrompo apenas para as refeições. Se precisarem de me dizer alguma coisa podem fazê-lo por wsp.
As tarefas domésticas, as complicadas rotinas de compras, as entradas e saídas, também estão bem organizadas e distribuídas e entre os três
as coisas têm funcionado. O meu marido anda com vontade de fazer experiências
culinárias (neste momento está a fazer um bolo) e tomou para ele a incumbência de ir ao talho, o que é ótimo.
O meu filho sai pouco da toca e, pelo menos aparentemente, é
o que melhor se adapta a esta rotina de isolamento. É perfeitamente capaz de
passar uma semana inteira sem por um pé na rua e quase sem sair do quarto.
Portanto, tudo se vai passando de forma tranquila e estamos a
aguentar muito melhor do que eu previa este confinamento. Ainda ninguém teve
vontade (pelo menos evidente) de apertar o pescoço ao próximo. Vamos mordendo a língua e rolando os olhos de vez em quando, e passa.
Agora vem o MAS.
Mas, apesar da pacatez, os meus dias não deixam de estar confinados à
socialização indoor com dois indivíduos do sexo masculino. Dou por mim, ocasionalmente, a pensar
como o sapo da anedota “há gajas ou não há gajas??”. Preciso de gajas. De
conversas de gajas, de programas de gajas, de copos com gajas. Preciso de
madeixas e manicura e diálogos fúteis. Preciso de alguém que se babe comigo para meio sorriso do Brad, os braços do Daniel Craig ou os olhos caídos do Ryan Gosling. Alguém
que ainda se cole à TV para ver a quinquagésima temporada da Anatomia de Grey. Preciso dos mexericos na hora do café.
E também preciso do chão áspero do ginásio e do cheiro que tem, mesmo depois de lavado. Preciso de agachamentos com uma barra nas costas. Preciso da
confusão e dos gritos e preciso de calçar luvas que não sejam de borracha para
fazer limpezas.
Preciso de me sentar numa esplanada, sozinha, mas rodeada de
gente, com as pernas ao sol, um livro na mão e um abatanado a fumegar.
Preciso de andar pelas ruas ao acaso e sem motivo, entrar em
lojas, mexer nas coisas sem me desinfetar, experimentar roupa, que é coisa que
habitualmente detesto. Preciso de me maquilhar a sério e calçar botas (por este
andar vão ser sandálias) com tacão alto.
Preciso de me meter num comboio e ir até à minha terra, ver as cores do meu jardim, caminhar no paredão onde o rio encontra o mar, e preciso de abraçar com força os meus.
Está tudo a correr bem por aqui, é verdade. E estamos todos
bem, mas.
Há dias em que me sinto como um bicho numa jaula. Em que só
quero que abram a porta para ir à minha vida, sem destino marcado, sem hora de
regresso, sem limites de percurso.
Estes dois sujeitos do sexo masculino com quem partilho o
isolamento contam-se entre as minhas pessoas preferidas no mundo inteiro. Mas,
quando abrirem a porta, acho que durante uns dias não me põem a vista em cima.
Quando abrirem a porta o que quero saber é: “vamos para os copos? Há gajas
ou não há gajas?”
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