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Na prosa da minha vida, és quando acontece poesia


Já tinha decidido que não ia escrever hoje. Passei o dia ao computador e tinha reservado o serão para uns trabalhos de costura.
Mas de repente o meu coração partiu-se ao meio e caiu-me aos pés e as lágrimas começaram, grossas, a escorrer silenciosas até ao queixo.
Este não é um texto alegre. Neste quebro todas as promessas e choro cada palavra que aqui escrevo.
Também tenho saudades tuas, minha querida. Tantas, que doem no estômago e tremem nos dedos enquanto batem as teclas. Tantas, que me custa respirar fundo, que me custa sorrir ou rir porque não oiço o teu riso. Tantas, que deixei de cantar de na cozinha ou no corredor porque me faltas tu no dueto. Tantas, que durmo com o teu pijama e visto as tuas camisolas para te sentir mais perto. Tantas, que me reinvento todos os dias antes de te telefonar para tentar que tu não percebas a mágoa na minha voz.
Uma das vezes que foste, depois de vires a casa passar o fim de semana (uma vez que nos doeu mais a despedida, lembras-te?) prometi-te que entre nós haveria sempre comboios, que bastava chamares e eu ia, que se precisasses de mim eu largava tudo e entrava no primeiro alfa-pendular.
Sempre soubemos que a outra estava ali, à distância de 3 horas de viagem. Nunca imaginámos que essas horas nos podiam ser vedadas.
Quando foste tínhamos as duas tanto medo, lembras-te ? Não sabíamos como íamos viver longe uma da outra. Como íamos finalmente cortar o cordão umbilical. E afinal conseguimos, não foi? E no meio de todas as minhas saudades, senti-me sempre verdadeiramente feliz por ti, pelos teus passos, pela tua independência.
Também tenho saudades tuas, minha querida. Tantas. Era capaz de dar um dedo da mão direita (aquele que já está torto) para te pegar ao colo neste momento. Colo de mãe é colo de mãe aos 6 meses, aos 3 anos, aos 10 ou aos quase 24. Um dia vais descobrir que continua a ser, aos 43.
De todas as saudades que tenho, a maior é a de rirmos juntas, naqueles disparates nossos até às lágrimas, até eu pedir que te cales para não fazer xixi.
Não sei sorrir se estiveres triste. Não tenho alegria se houver lágrimas na tua voz. Eu sou a gaja que não chora, mas preciso da tua felicidade para ser feliz. Preciso dessa alegria quente que irradia de ti. Portanto, antes que me arruínes o blog, ri-te princesa. Já passou mais um dia e vai ficar tudo bem.

És tu…
Teu corpo esguio e bonito não me canso de contemplar
Doçura de movimentos que me encantam o olhar
Mãos de dedos compridos nascidas para desenhar
Olhos tristes como os meus nascidos para amar

És tu…
A razão do sol nascer e de haver uma esperança
Tudo o que eu não soube ser e que guardo de lembrança
Um sentir que é muito nosso e que não tem semelhança
Todo o sonho que eu sonhei no corpo de uma criança

És tu…
Melodia baixa e triste que me aquece o coração
A brisa quente e suave que me leva pela mão
Princesa que estás de guarda e me dá a proteção
Menina que estás comigo quando abraço a solidão

És tu…
Motivo do meu sorriso quando a noite se faz dia
O vento que varre as lágrimas e me devolve a magia
És a força que me agarra e me permite alegria
Na prosa da minha vida és quando acontece poesia

És tu… Maria…

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