Às vezes as pessoas
de vidro inquebrável também se partem. Não é por terem um defeito (que os têm,
claro) é antes uma espécie de imperfeição, uma pequena bolha de ar, que as
torna frágeis, suscetíveis a certas vibrações.
Às vezes partem-se,
desfazem-se em estilhaços com um estrondo, e não faz mal. Outras vezes percorre-as
uma fissura fina, aguda, que avança silenciosa, devagar, e também isso não faz
mal.
Apenas perdem a
translucidez, a leveza, e ficam pesadas, carregadas de infortúnios profundos e
opacos. Perdem o brilho e de frias tornam-se geladas.
Num ato de autopreservação,
fecham-se sobre si mesmas, sob a proteção de um escudo ou de uma mortalha e não
deixam ninguém entrar. Oscilam entre apáticas e cruéis. Não têm, nem querem,
sorrisos gentis. Não sentem compaixão nem perdão. Cortam, e nem sempre é sem
querer, mas mais pela necessidade premente de desafiar a dor. De ver se a dor
se distrai delas e vai para outro lugar. Ficam muito quietas tentando conter os
estragos, porque não controlam as arestas aguçadas que as dominam.
Não lhes importa se é
chuva que bate, se é vento, se é mar ou se é o sol. Não lhes faz diferença se é
noite ou se é manhã pois as horas estão suspensas, o tempo torna-se denso, como
a água salobra que deixou de se mover.
Mesmo que queiram falar,
não sabem como nem o quê. Na garganta só têm estridência e soluços e é no
silêncio que seguram as emoções.
De olhos postos nos
limites que não traçaram ou que decidiram ultrapassar, abraçam com força a
solidão, a moer o vidro até ser pó. Dormem essa noite que as habita, povoada de
sonhos agitados onde não há tapete debaixo dos pés nem chão para aterrar. Deixam-se
a cair no vazio, como a Alice antes de chegar às maravilhas, e à semelhança
dela vão crescendo e diminuindo, numa procura desesperada pela medida certa.
Mas qual é a medida dos sonhos ou ilusões?
Na manhã do outro dia,
acordam com corpo massacrado pelas quedas, já com os cacos colados e sorrisos
por remendar. Com lágrimas cosem medos e incertezas e preparam-se para se
suavizar. Já não cortam, mas na superfície fria ficou-lhes gravada para sempre essa
história por contar.
Continuam a não ser melhores
nem piores do que as outras pessoas.
São apenas assim.
E às vezes têm pena,
mas também isso não faz mal.
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