Na
chuva, às vezes.
Quando cai em bátegas
fortes parecendo rasgar ao meio o céu, tal qual o peito que se rasga em angústia
mal calada. Ou quando escorre mansa e incessante, como uma lamuria.
Na chuva, às
vezes.
Que se mete pelas
entranhas da terra escura, furando caminhos que não existem para chegar às
profundezas onde a vida cresce e se criam raízes. Como as raízes que dão de
beber à tristeza em momentos de desamparo ou acalentam alegrias que demoram a
chegar.
Na chuva, às
vezes.
A bater nos vidros em
lâminas frias, projetadas das nuvens, apontando aos corações encolhidos, como
dedos que não perdoam em horas tornadas longas demais.
Na chuva, às
vezes.
Com a cabeça quente e
cansada, a lavar-me os olhos por dentro e a fazer-se choro na almofada. A promessa
de que todos somos um rio e que os rios correm sempre para algum lugar.
Na chuva, às
vezes.
O consolo que não vem
dos raios inclementes de sol, nem na brancura irónica de uma lua que brilha sem
pudor. As nuvens, duras como chumbo, a fazerem-se próximas do peso que
carregamos.
Na chuva, às
vezes.
Um diálogo sincero,
dito em surdina, transparente como as gotas de água, com respostas que chegam
em dilúvios e dissolvem-se em tempestades.
Na chuva, às vezes.
A antecipação da
bonança que chegará tranquila deixando os caminhos (e os medos) lavados.
Desengane-se quem pensa que a chuva não tem
cheiro nem cor.
Na chuva, às vezes, cabem todas as cores e
todos os cheiros que enchem o espectro da saudade.
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