Diz que faço muitos. E que
digo mais. Às vezes perco o filtro e sai o que me vai na alma. Começo a sentir
as palavras a ferverem na garganta e saem de enxurrada, levando tudo à
frente. Falo sem pensar ou falo porque pensei demasiado. Há quem afirme que
digo coisas com a intenção de chocar as pessoas, e é verdade. Ou que
tenho um humor muito negro, e é verdade. Que digo coisas acutilantes que
magoam, e também isso é verdade. Às vezes estou tão zangada que preciso que os
outros também sintam como dói e, para magoar, poucas coisas servem tão bem como
as palavras. Depois, invariavelmente, arrependo-me e, justiça seja feita, peço
desculpa. Quando peço desculpa, estou arrependida, nunca finjo um
pedido de desculpas. Sou dura com os disparates dos outros, mas sou muito mais
dura com os meus próprios.
Também há aqueles disparates
que digo e que faço só porque estou feliz e me apetece, só porque rir é bom e
não interessa o que as pessoas enfadonhas pensam. Que fazem a família abanar a
cabeça e dizer “já cá faltava” ou “estás cada vez mais parecida com a tia…” , e eu sei que nesse ponto já estão contagiados pela minha
alegria, e esses disparates são bons. Ou então quando conto aquelas piadas a que só
eu é que acho graça, e no fim pergunto “esta foi boa, não foi?” e eles riem-se,
não pela piada, mas pela vontade com que eu me rio. E esses também são bons.
Há os disparates que resultam
do consumo excessivo de álcool (e aqui faço um parêntesis para ressalvar que
excesso de álcool para mim é o terceiro copo de vinho tinto, não vá o pessoal
pensar que ando aí aos caídos) e acho que, no fundo, também são bons. Mesmo
quando me fazem cantar em publico, cair na rua (afinal às vezes caio) ou ser
trazida em braços para casa. Mesmo quando digo coisas que nunca diria se
estivesse sóbria e no dia seguinte tenho de enfrentar a vergonha pois, por
alguma razão que desconheço e que é um pouco injusta, no dia seguinte lembro-me
de quase tudo o que disse e fiz.
Também tenho a minha quota
parte de disparates que podem não parecer cómicos a toda a gente ou que podem
só ser cómicos depois de algum tempo passado. Por exemplo quando deixei em cima
da banca dos jornais todo o dinheiro que tinha levado para a visita de estudo a
Paris e tivemos de caminhar uma hora em sentido inverso para o ir procurar e
que só tem graça porque uma senhora honesta restitui-mo todo. Ou aquela vez em
que arranquei o para-choques do carro do Tiago porque o prendi numa árvore e
fiz marcha atrás sem ver. Nesta categoria a lista seria interminável: o facto de
estar sempre a pensar numa coisa enquanto faço outra está constantemente a
colocar-me em situações disparatadas. O que me vale é que sou uma pessoa com
imensa sorte e normalmente não há consequências graves. Alguém lá em cima
(talvez uma das minhas avós, que morreram quando eu era pequenina) deve andar a
toda a hora atrás de mim a pôr paninhos quentes nas asneiras que vou quase
fazendo.
Há ainda os que as outras
pessoas acham que são disparates e eu, na minha convicção que estou certa (ou
teimosia), arrisco e resultam bem. Ou pelo menos deixam-me suficientemente contente
com o resultado para não me importar com opiniões alheias. Estes têm essencialmente a ver com desafios que imponho a mim própria e que persigo com
determinação, apesar da falta de crédito que possam inspirar a terceiros.
E no fim, porque é muito
menos gloriosa, vem a lista dos disparates inconfessáveis e/ou imperdoáveis.
Aqueles que não partilho e sobre os quais me cabe exclusivamente a mim fazer juízo e conceder, ou não, perdão. Em princípio são disparates que não têm graça nenhuma ou, se eventualmente até têm, não é graça que se possa contar. De alguns arrependo-me em silêncio, sem
beneficiar da suavização de os exteriorizar e chamam-se remorsos. Às vezes são pesados e chamam-se culpas, outras vezes são melancólicos
e chamam-se saudades. A maioria das vezes não se chamam nada em concreto e transformam-se apenas em pensamentos que vou esmiuçando, analisando, até ter
dissecado todas as partes, avaliado todos os ângulos e, se tiver essa sorte,
aprendido alguma lição.
Em suma, é isto. Não sei se cometo
mais ou maiores disparates que a generalidade das pessoas. Tenho a desvantagem
de ser overthinker e, como tal, não deixo escapar nem o mais pequenino. Acontece
andar dias, semanas, meses a remoer atormentada alguma palavra que disse, ou
algum gesto que fiz, fora de propósito. Mas ou é isso, ou é
nunca correr riscos nem sair da caixa e essa é uma hipótese que nunca chego a
considerar. Nem mesmo naqueles dias em que tenho ganas de me espancar a mim própria.
Prefiro acreditar que há
realmente uma eficácia pedagógica 😊
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