Então cá estamos nós a dois
passinhos de entrar numa nova fase de desconfinamento. Não sei das vossas experiências,
mas eu faço parte daquele grupo de pessoas que começou gradualmente a
desconfinar, que é como quem diz, regressei ao meu local de trabalho, em dias
alternados.
Por esse motivo expandiram-se as
minhas saídas de casa e, consequentemente o contacto com o mundo cá fora e com
as pessoas. Não há dúvida que estão a ser tomadas medidas. É de louvar o
esforço que está a ser feito pelos donos / entidades exploradores / patrões/ responsáveis
dos estabelecimentos em geral e dos serviços públicos e privados. Não entrei em
nenhum estabelecimento cujos funcionários não estivessem de máscara e que não
tenham desinfetante disponível. No meu local de trabalho fornecem diariamente máscaras
descartáveis, trabalhamos com distância de segurança e foi reforçada a limpeza
das instalações. Os acrílicos em balcões de atendimento ao público são já uma
realidade em vários sítios, assim como as recomendações para que as pessoas
desinfetem as mãos antes e depois de mexer em alguma coisa.
Tem tudo para correr bem. Só que
não. Porque depois há as pessoas. O que é que se passa com as pessoas? Quando é
que vão perder esta mentalidade do facilitismo, do deixa andar, do a mim não me
toca? Eu? Eu não tenho vírus! E de ir adaptando as regras às conveniências e
incómodos pessoais?
Dizem-me que talvez as pessoas
não tenham sido devidamente formadas e
informadas, que não têm conhecimento, que não sabem. Será possível?
No capítulo Distância Social vê-se
de tudo: grupinhos em amena cavaqueira sem máscaras, a meio metro de distância
uns dos outros, um abracinho rápido, um aproximar só para uma selfie, e por aí
fora.
No capitulo do uso de máscara
também se vê de tudo: os que não a usam para andar pelos corredores apesar de
ser obrigatório, os que não usam em lojas, os que usam pendurada na orelha ou
puxada para o queixo, os que tapam só a boca porque no nariz faz impressão, etc.,
etc.
No capítulo da higienização das
mãos nem quero pensar. Já era um assunto assustador antes da pandemia.
A gente vai vendo na televisão a
curva a ficar achatadinha e enchemo-nos de ânimo. Não me interpretem mal, ter
ânimo é ótimo! Acreditar que Portugal fez um bom trabalho e está no bom caminho
é fantástico e talvez não seja útil dar mais pancada às pessoas do que aquela que
já estão a levar, mas às vezes precisam...
Otimismo não pode significar
falta de prudência. Achar que não é aquele pequeno deslize da nossa parte que
vai fazer a diferença é outro “ismo” que não começa com “otim”.
Achar que “é só…” e não faz diferença, não é admissível. Não é. Cada
falta de cuidado é um passo na cadeia de contágio. É estar a estender aos
outros uma probabilidade de se infetarem e eles depois, por sua vez, irem
estender a outras pessoas, no tal crescimento exponencial que já nos ensinaram.
Temos de ser responsáveis e
sobretudo ter respeito. Respeito por todos aqueles que estão a retomar as suas
atividades e não podem dar-se ao luxo de um novo fecho. Respeito por todos os
que estão a investir para permitir que o nosso regresso ao dia-a-dia seja
razoavelmente seguro. Respeito por todo o esforço que ao longo de semanas tem sido
feito por toda a gente que correu riscos (e corre) para cuidar dos nossos
doentes, para testar, para limpar, para distribuir, para recolher, para
enterrar mortos. Respeito pelos políticos e dirigentes que tão rapidamente são
criticados e que estão a inventar, improvisar e reinventar-se para fazer face a
uma situação extrema e sem precedentes.
Já tenho falado da minha casa e
da minha família a 317km de distância. No próximo dia 21, faria 3 meses que não
os vejo, mas se tudo correr bem, vou almoçar com eles no domingo. Temos a sorte
da nossa casa ter um jardim e por isso vamos almoçar na rua, em mesas
separadas.
Tenho adiado esta visita. Posso
mentir e dizer que é porque acho que ia comprometer a segurança de uns e outros.
Não é. E não vai. A verdade é esta: não há ninguém, no mundo inteiro, que eu
tenha mais vontade de abraçar do que a minha mãe e a minha filha. Queria sentar-me
entre as duas no sofá, muito perto umas das outras, e ver as Gilmore Girls e a
comer pipocas todas do mesmo balde, deixar a noite chegar e ir para a cama com
elas sempre a cirandar atrás de mim até eu as por fora do quarto. Nada disso é possível.
Elas vivem com um doente crónico imunosuprimido, o meu pai, e eu estou a
trabalhar fora de casa, com os inevitáveis contactos sociais, portanto vamos manter
o tão apregoado distanciamento social, num almoço ao ar livre, de curta
duração.
O momento da chegada a casa
aterroriza-me. Não sei onde vou encontrar a força que preciso para não sucumbir
à frustração, à tristeza, ao desalento, de não me poder aproximar. Depois de
almoçar regressamos, com as saudades pouco apaziguadas. A Maria sente
exatamente o mesmo, porque para o mal e para o bem, é filha da mãe, e queria continuar
a adiar este reencontro. Então eu puxei dos meus galões de “pessoa mais velha,
mais experiente e mais ponderada”, muni-me do argumento “eu é que sei que sou
tua mãe” e disse-lhe que íamos conseguir fazer isto. E vamos.
Não sou melhor do que ninguém. E nalgumas
coisas também não sou pior. Sou mais uma pessoa, mais uma mãe, mais uma filha,
com medos, com fraquezas, com indecisões e com decisões difíceis. Mas estou
disposta a sacrifícios, a ser responsável e a não comprometer a segurança de
ninguém em prol do meu proveito.
Não é nada de extraordinário, é
apenas uma questão de respeito.
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