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Não somos todos iguais.


Não somos todos iguais.
Uns são brancos, outros negros, outros amarelos. Uns são cristãos, outros muçulmanos, budistas, ateus. Uns são magros e altos. Outros são baixos. Outros são obesos, alguns são anoréticos. Uns comem carne, outros são vegan, outros passam fome. Uns trabalham, uns são preguiçosos, uns roubam e alguns matam. Uns são heterossexuais, outros são homossexuais, outros fazem voto de castidade.

Não somos todos iguais.
Uns são crentes, outros perderam os sonhos e alguns nunca acreditaram em nada. Uns são corajosos, outros vivem com medo. Uns gritam, outros aguardam silenciosos e alguns são forçados a estar calados. Uns defendem a justiça, outros têm medo dela, outros praticam atrocidades. Uns são tolerantes, outros são empáticos, outros são ditadores. Uns são bons, uns fecham os olhos, outros são cruéis.

Não somos todos iguais.
Mas por alguma razão, uns acreditam que são melhores do que outros.
“Mamã, aquele menino é feito de chocolate?” pergunta uma criança, sem qualquer tipo de malícia ou preconceito. As crianças não nascem preconceituosas. Não nascem racistas. As crianças não sabem o que são raças. As crianças perguntam, com curiosidade, porque estão a conhecer um mundo em que as pessoas são diferentes, e podem. É na resposta que a mãe der que se vai começar a formar o caráter da criança. A tolerância, o amor, o respeito por todos os seres humanos, ensina-se. Mais que isso: demonstra-se. A mãe que responder ao menino “Não. Aquele menino é feito de carne e pele e ossos, como tu. A pele pode ter cores diferentes, tal como os cabelos e os olhos. As pessoas não são todas iguais” está a ensinar a igualdade na diferença. 

Porque não somos. Não somos todos iguais.
E isso não podia ser problema nenhum. Sermos diferentes não podia significar sermos tratados de maneiras diferentes. Sermos diferentes não podia dar mais ou menos direitos, garantir mais ou menos segurança.

Não somos todos iguais.
Por para cada racista no mundo, espero que existam milhares de pessoas a levantar a voz, a defender os direitos para todos (esses, sim, iguais), a lutar pela igualdade na justiça, pelo respeito na diferença, pela dignidade de cada individuo. Por cada prepotência, intolerância, crueldade, desejo que haja sempre quem se erga em protesto, quem corra em auxílio, quem lute pela possibilidade de sermos todos diferentes.

Não somos todos iguais. E ainda bem.
Se fossemos todos iguais queria dizer que o sonho de algum louco se concretizara e que no mundo só havia pessoas saída de determinado molde.

Não queremos. Não fazemos. Não temos. Não pensamos. Não vestimos. Não rezamos. Não comemos. Não falamos. Não gostamos. Não acreditamos. Não somos. Todos iguais.


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