Pergunta a mãe, com toda a legitimidade, afinal
do que é que eu tanto gosto no jardim. Isto porque eu não gosto de jardinagem,
não gosto de meter as mãos na terra, mato tudo o que é planta, exceto catos, que
não se deixam morrer com pouco. Eu nem sabia que aqui no jardim tínhamos duas
nespereiras, e (imagine-se!) que o arbusto a que, nas noites de bebedeira chamávamos Poupas, era afinal uma romãzeira.
Mas do jardim, gosto de tudo. Dos verdes
luminosos, dos malmequeres, das flores de maracujá. Da buganvília que teima em
cair sobre o muro do vizinho, do sol a brilhar na piscina e das sombras que se
alongam ao fim da tarde. Do jardim gosto, sobretudo, das memórias que habitam todos
os cantos.
Tenho memórias, se calhar induzidas pelas
fotografias que vejo, de ser menina e correr em passo incerto, com o vestido vermelho
às bolinhas a esvoaçar. Os bisavós tão velhinhos, os portões que nessa altura
estavam sempre abertos, o pastor alemão deitado ao sol. Ainda era só eu, o
Tiago chegaria depois. E juntos, enchemos o jardim de risos e brincadeiras, zangas
e amuos e muitas, muitas recordações. Povoámos o jardim de amigos imaginários,
de amigos verdadeiros, de primos e de vizinhos.
No jardim fomos policias, ladrões e cowboys. jogámos
escondidas, andámos de bicicleta, de skate, armámos tendas e todo o tipo de
barracas, durante as férias de Verão que duravam 3 meses. Inventámos de tudo,
nesses dias compridos, em que os adultos trabalhavam e o território estava por
nossa conta. Só muitos anos mais tarde,
a mãe veio a saber de metade. Tivemos uma casa na árvore onde fazíamos reuniões
secretas em que só entrava quem soubesse a senha. Tivemos um lago a sério para
os barcos de playmobil. Tivemos um palco de teatro, construído com
tábuas de madeira. Depois tivemos uma piscina e as tábuas tornaram a
reinventar-se para o pai construir o bar a que chamámos sempre "a
barraquinha" e que pintávamos de branco em cada verão, antes de dar início
à época das festas, quando alinhávamos copos e garrafas, o barril de
cerveja e o balde de sangria e fazíamos almoços de churrasco que só terminavam
na madrugada do dia seguinte e que contaram algumas das histórias mais memoráveis
da nossa juventude.
Depois veio a geração seguinte, chegou a casa
de bonecas, os baloiços, o carrinho movido a bateria, vedou-se a piscina para
prevenir acidentes e os meus filhos brincaram, gatinharam, sopraram velas nos
aniversários, aprenderam a nadar, a comer ameixas da árvore e a dividir o
lanche e os brinquedos com os cães.
Em tempo de pandemia, este jardim foi o
cenário do primeiro reencontro, faz quase um mês. Divididos em três mesas
separadas pelo mínimo de 2m que o meu irmão impôs (ele daria um excelente
fiscal da DGS), almoçámos, conversámos, rimos e parecemos quase normais, a
festejar o aniversário do pai.
E agora estou de volta e é no jardim que,
neste momento escrevo. Este jardim que se tornou mais precioso do que
nunca porque nos permite, durante uns dias, estarmos juntos e estarmos perto.
Às vezes temos dificuldade em dizer (até em saber) o que precisamos,realmente, para estar felizes. Eu hoje sei dizê-lo, sem dúvidas, e é isto: eu, com o computador no colo, à beira da piscina, a Maria, afastada, na espreguiçadeira a ler, o Tiago e a Sofia no andar de cima, a mãe ali a preparar a catequese, o pai na varanda a dar palpites.
Às vezes temos dificuldade em dizer (até em saber) o que precisamos,realmente, para estar felizes. Eu hoje sei dizê-lo, sem dúvidas, e é isto: eu, com o computador no colo, à beira da piscina, a Maria, afastada, na espreguiçadeira a ler, o Tiago e a Sofia no andar de cima, a mãe ali a preparar a catequese, o pai na varanda a dar palpites.
Daqui a pouco, distribuídos por três mesas, vamos almoçar no jardim. E estamos todos bem.
Do que é que eu gosto tanto? É disto.
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