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Quando o egoísmo se tornou cool


Vou-vos dizer uma coisa, isto do dever de confinamento, uso de máscara e distanciamento social é uma merda. Ainda mais agora que começou o verão.
As temperaturas vão novamente subir e vêm com a porcaria dos semáforos na praia. Às tantas, apetece-nos mesmo dar um mergulho, chegamos lá, e pimba! sinal vermelho. 

Eu, pessoalmente, sou contra esta cena da pandemia. Já lixou o Santo António em Lisboa, vai estragar o São João e se não se põem ao alto, nem os pescadores vão festejar a sério o São Pedro. Até a Queima das Fitas foi retirada aos estudantes que agora, claro, têm de inventar outras festas. Os jovens precisam de se divertir, desgraçados, que estes meses todos sem aulas deixou-os em baixo. E os pais precisam dos filhos fora de casa, caraças!, já ninguém os aguenta. Os velhos, que nem sequer acedem a redes sociais têm que ir socializar um bocado. E os restantes, das faixas do meio, idem. É preciso fazer coisas, pelo bem da economia e da sanidade mental.

Eu, é como vos digo, estou chateada. Este vírus veio numa altura péssima. É que logo havia de ser num ano em que tinha tanta coisa planeada. E eu que detesto que me desarranjem os planos. Afinal ando a fazer calendários e listas de tarefas para quê?
Não há qualquer sentido de oportunidade nesta pandemia. Realmente, não. Obriga a cancelar viagens, atrasa negócios, com um bocado de jeito, ainda dá cabo das férias no Algarve. Imaginem que logo agora que vai chegando a altura de o pessoal rumar para o sul, o raio do vírus lembra-se e começa a mostrar-se mais por lá. Santa paciência, ninguém faz férias no Algarve sem poder ir a festas. Aquilo não é só praia, gente, então e a noite?

É tramado isto. Nunca se viu coisa assim. Quer dizer, já se viu, nós é que ainda não andávamos por cá.
Às tantas, é por ser novidade que não estamos a perceber muito bem. Os médicos explicam. O PM e o PR também explicam. Mas está difícil de entender. Eu, correndo o risco de parecer um bocado rude, começo a achar que, ou as pessoas são muito estupidas ou muito egoístas, ou uma perigosa combinação das duas coisas.

É que isto, a meu ver é simples. Não é bom, não é agradável, não é fácil. Mas é simples. E é assim: continua a ser necessário fazer um esforço e respeitar as regras e recomendações que nos são transmitidas. Lamento dizer, mas essa cena de “desconfinamento-cool” não existe. Nada nesta situação é cool e a pandemia, acreditam os especialistas na matéria (e consequentemente eu também), está muito longe de se encontrar ultrapassada.

Com certeza que, por várias razões, essencialmente económicas, políticas e de saúde mental, era necessário dar passos no sentido de regressar a uma vida relativamente normal, mas compatibilizando-a com a presença de um vírus em circulação na sociedade. Quando esses passos foram anunciados ficou claro que implicariam um esforço acrescido por parte das pessoas para não mandarem pró caraças o esforço todo que havia sido feito a fim de achatar a famosa curva de crescimento. Nessa altura, fiquei com a impressão de que muita gente não estava a perceber que o facto de se dar inicio ao desconfinamento não queria dizer que havia menos perigo de contágio e que, caso as pessoas não tivessem comportamentos adequados e cuidados redobrados, o tal vírus que andava por aí à solta, recomeçaria a espalhar-se depressa.

Com pena, mas sem grande surpresa, constato que tinha razão. Muitas pessoas, efetivamente, não aprenderam grande coisa naquelas semanas que foram obrigadas a ficar em casa. Em menos de nada, esqueceram o medo, os cuidados, as dificuldades, os barcos a afundar e já estão prontas para grandes regatas.

Nada disto é cool.
É só estúpido. E egoísta.


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