A segunda metade do ano começa na véspera do
meu aniversário, o que quer dizer que entro num novo ano de vida exatamente a
meio do ano civil. O que é que isso interessa? Normalmente, nada. Nunca sequer
tinha pensado sobre isso, até ter começado a ouvir, no passado dia 1, as
expectativas que as pessoas guardam para a segunda metade de 2020. Este é o ano
em que somos unânimes quando desejamos que a segunda parte seja francamente
melhor do que a primeira.
Não consigo deixar de me lembrar das palavras
do meu pai à mesa de almoço no dia 1 de janeiro: Estou a gostar de 2020! Lembro-me
que, nessa noite, escrevi um post a valida-las, recordando como vencêramos
o tempo quando o tempo nos fugia. Foi um otimismo de pouca duração. Ainda
janeiro ia pela metade e levámos a primeira chapada. Teimosos, encaixámos o
golpe, endireitámos os ombros, inventámos sorrisos que não tínhamos e coragens
que não sentíamos, prontos para seguir em frente.
No final de janeiro a coisa melhorou e dei
novo crédito a 2020. Convenci-me que, afinal de contas, ainda tinha potencial
para se gostar dele.
(Erro meu. Normalmente acerto na primeira
impressão e era com essa que devia ter ficado.)
Fevereiro foi um mês giro, bons passeios,
hotéis, reencontros com amigos, sim senhora, tudo bem encaminhado para a chegada animadora da primavera. Só que afinal não, porque a seguir veio
março, com o seu dia 2 que ficará gravado na memória coletiva. Duas semanitas
decorridas e foi tudo recambiado para casa. Daí até ao meio do ano foram três
meses e meio que viraram o mundo (não só o meu pequeno) de cabeça para baixo,
sob vários prismas.
O confinamento arrastou-nos para situações
inauditas e, cada um na sua medida, adaptou-se com dificuldade a uma realidade
nova e surpreendente. Eu vivi-o como soube, a experimentar, aos solavancos,
oscilando entre dias incrivelmente cinzentos e outros que pintei de
cor-de-rosa.
Pelo final de maio começámos a desconfiar e também
não foi nada fácil. A ansiedade, o pânico dos ajuntamentos, a falta de controlo
sobre as coisas, a sensação de impotência, tomaram conta de mim e passei a
viver num estado de irritabilidade com poucas tréguas.
Foi assim que cheguei ao dia 1 de julho,
último dos meus 43 anos, com a estranha sensação de estar a pairar num baloiço,
sem os pés na terra mas amarrada ao chão, e sem fazer a mínima ideia se, quando
e onde, conseguiria aterrar.
Eu gosto de fazer anos. O meu lado mais
narcisista vem ao de cimo nesse dia e não disfarço. Adoro que me mimem, que me
deem presentes, que me ofereçam almoços e jantares, que não me contrariem e me
deixem fazer o que me apetece, porque é o meu dia. Gosto de, uma vez por ano,
sentir que o mundo (o meu pequeno mundo) gira à minha volta e que nesse dia não
preciso de cuidar de ninguém. Normalmente o meu entusiasmo com o aniversário
surge com alguns dias de antecedência. Mas também nisso, este foi um ano
diferente.
Nos últimos dias do primeiro semestre pensei
muito. Conversei também, mais do que costumo. Quebrei alguns silêncios e
empenhei-me noutros.
Dia 2 foi um dia intenso, cheio de sentimentos
grandes e baralhados. Alegrias, gratidão, amores, ausências e saudades. Travei batalhas
interiores que não partilhei. Foi duro, mas percebendo o quão importante era
largar o baloiço, forcei o balanço. Conclui que preciso de assentar os pés na
terra.
Entrei no meu 44º ano de vida com uma decisão
importante: vou largar o baloiço e andar de escorrega. No escorrega, a gente
sobe e ao chegar lá acima, querendo torna a descer calmamente pelo mesmo
caminho ou querendo, arrisca-se na descida, sabendo que, em qualquer dos casos, no
final há terra firme onde assentar os pés. É uma decisão sensata e madura, da
qual estou particularmente orgulhosa (mais ainda porque me valeu esta
analogia).
A metade que ficou para trás, apesar de todos
os contras, teve também coisas boas, inesperadas, difíceis de explicar e ainda
mais de entender. Foram demasiadas emoções e incertezas para quem gosta e precisa
de saber para onde vai. O dia-a-dia assumiu contornos surreais, as
possibilidades alteraram-se, os limites mudaram. Vai passar ainda muito tempo
até eu conseguir entender exatamente a extensão da mudança que se operou e a
medida em que me afetou.
Sei que entro diferente nos 44.
Também sei que estou pronta para a segunda
metade.
Pés na terra e os olhos, sempre, no céu.
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