Avançar para o conteúdo principal

A vida em prateleiras


Hoje vou ensinar-vos uma lição!
(Eheheh! Reparem no ar presunçoso com que escrevo isto) 
Pronto, não é nenhuma lição, vou só partilhar uma ideia convosco. Melhor assim?

(já vos estava a imaginar “olha esta, com a mania…”)

Então, começamos com uma pergunta: Já alguma vez olharam para a vossa vida como quem olha para uma estante cheia de prateleiras? Como aquelas do ikea com muitas prateleiras, uma billy talvez, ou aquelas aos quadrados... qualquer coisa, não interessa. Foquemo-nos no que importa:
Uma estante e muitas prateleiras. Portas e gavetas não, nem fechaduras. Porquê? lá chegaremos.


Agora, olhem para as prateleiras e vão ver que estão muito desorganizadas, com poeira e falta de espaço. Talvez não descubram facilmente as coisas importantes, ao passo que algumas coisas horríveis saltam mesmo à vista, enfim, um caos. (se não for esse o caso, se a estante da vossa vida não se vos mostrar pelo menos um pouco caótica, das duas uma: ou sou eu que não sou normal, ou são vocês. Em qualquer dos casos estão a ler o blog errado, passem a outro)
Se continuaram a ler é porque provavelmente sofrem de alguma (ainda que ínfima) desarrumação mental. Se assim é, convido-vos e experimentar esta metodologia:

Passo 1 - Esvaziem completamente as prateleiras (tudinho) e limpem-lhes bem o pó, as teias de aranha, bolor ou qualquer cacarenho mais suspeito.

Passo 2 – Organizem a tralha que retiraram em vários montinhos (categorias)

- Coisas realmente importantes
- Coisas que não servem para nada
- Coisas que ainda não sabem para que servem
- Coisas que não servem para nada mas das quais não se querem separar
- Etc
Podem escolher as categorias que vos apetecer, mas arranjem obrigatoriamente uma para LIXO! Não se iludam, há de certeza lixo mais ou menos tóxico que, se não for deitado fora, vai acabar por contaminar tudo o resto.

Passo 3 – Voltem a colocar a tralha, criteriosamente, nas prateleiras. Sugiro a seguinte organização:

- Nas mais baixas ponham o que não desgostam, mas não precisam muito e que não se importam se levar alguns amassos, por exemplo quando passarem com o aspirador.
- Ao nível da cintura, coloquem aquelas coisas que gostam de afagar de vez em quando.
- Pela altura dos olhos arrumem as coisas que querem que todos reconheçam quando pensarem em vocês.
- Ao alcance do braço disponham as coisas realmente importantes, que querem manter seguras, mas ao vosso alcance.
- Na mais alta de todas, longe do perigo, dos olhares e da vossa própria mão, guardem o que é só vosso, que não querem partilhar e que é simultaneamente precioso e a vossa fraqueza. De vez em quando subam a um banquinho e abracem essas coisas com carinho. Depois desçam, tranquilos.

Estas não seriam as coisas para guardar em gavetas ou portas com fechaduras? Não. Trancar coisas com receio de que se quebrem ou que nos magoem, é fazer de conta que não existem e um dia, mas cedo ou mais tarde, acabamos sempre por nos deparar com elas. É melhor que não se tenham tornado em monstros trancados na jaula.

Passo 4 - Depois de tudo organizado, deem um passo atrás, fechem os olhos, inspirem fundo, abram novamente e olhem para a estante (pausa para relembrar que a estante é uma metáfora para a vida). Apreciem o resultado. 

Está bonita e arrumada?

Provavelmente tem bastante espaço livre para tralhas novas.
De nada.



Comentários

Mensagens populares deste blogue

It’s beginning to look a lot like Christmas.

  Is it? Montei a arvore. O presépio. Fiz arroz doce. Acendi as luzinhas e inspirei fundo o ar frio a ver se dezembro entrava. Não sei o que se passa com o tempo. Ou se é com o tempo que se passa. Faltam 20 dias para o Natal e eu esqueci-me da playlist pirosa e da coroa do advento. As figuras do presépio parecem-me só figuras. Comi uma rabanada que me enjoou ao ponto de prometer não comer nenhuma mais. Se calhar não é o tempo. Se calhar sou eu, que ando perdida por setembro de 2020, quando os pores do sol eram intermináveis e cria que no ano seguinte já tudo estaria bem. O ano passado aguentei o Natal esquisito, a ausência de abraços, de colos, de mesas barulhentas, de jantares com amigos, de famílias sem medos. O virar do ano tranquilo, resguardado, sem fogos de artificio e outras companhias, pareceu-me um bom augúrio para o que viria em 2021. Mas este ano está difícil. Não me saem da cabeça as palavras à mesa do dia 1 “tenho a sensação que 2020 vai ser um ano extraordin...

Virada do avesso

  Às vezes o dia vira-me do avesso. Ou as pessoas. Ou o tempo. Às vezes é porque está sol e vento. Ou chuva e frio. Ou porque anoitece demasiado cedo. Ou porque as horas não me chegam. Ou porque o tempo não passa. Fico indecisa se me apetece gritar ou afundar-me no sofá debaixo de um cobertor. Tenho uma vontade imensa de comer porcarias. Não como para não me irritar ainda mais com a balança. Bebo café demais. Fico elétrica para vencer a letargia. Quero praia, mas seria incapaz de tirar a roupa para mergulhar. Tudo me irrita. Sei que fico difícil de aturar. Como quando tenho sono ou fome. Sei que quando estou assim, acaba por levar quem não tem culpa. E, por esse motivo, os anos ensinaram-me a tentar ficar calada. Teclo respostas azedas a e-mails estúpidos. Apago e rescrevo, com secura diplomática. Ignoro mensagens e chamadas. Se não querem uma resposta torta, não falem comigo. Desculpem lá, mas “jogo de cintura” não faz o meu género. Nem gente com a mania de que é don...

Desculpa-me

  Pedes desculpa, mais uma vez. A súplica vibra-me nos tímpanos e eu esqueço. Escancaro os braços, a vida. Esfrego os hematomas e ergo, para ti, as sombras do olhar. Regresso. Entro a porta, esquecendo-me porque saí. Puxo a miúda, rabugenta, pelo pulso. Faltam-me dois molares. Digo que uma cárie os levou. Ela minga quando te aproximas. Com os olhos baços, limpa o ranho à blusa. - Desculpa. – Dizes-lhe também a ela. Faz-se pequena, duvida. Na manhã seguinte, arranco-a da cama, cedo demais. Enfio-lhe o leite pela goela, ansiando que não faça barulho, para não te acordar. Sento-a no colo e pesa-me o embaraço. Beijo-lhe o cabelo com lábios amachucados. Deixo-a na cresce, sem tirar os óculos. Raspo uma nódoa seca da camisola. O recado da educadora flutua através de mim. Volto. Numa inspiração perversa, chamo a isto lar. Faço café. Escaldo a garganta com um gole amargo. Estremeço ao sentir a tua mão na cintura. Cheiras a dia lavado. - Vai ser diferente, agora. Quero c...