“Não te vou mentir. Aí dói bastante”
Não mintas, não vale a pena, estou preparada, não me importo.
Essas dores eu tolero bastante bem, as que marcam a pele. Pode-se pensar que é
coragem ou valentia. Não é, é outra coisa. Enquanto me marcas a pele, no interior,
muito mais fundo, grava-se uma história.
Tatuaste a minha vida, 2020, ferro e fogo e muito mais. Dei-te
quase tudo. Resta saber quanto foi demais. E, no entanto, ainda há tanto de mim
para dar. Isso deste-me tu, na marca que me imprimiste sem clemência: a certeza
de que esta linha está aberta, é um círculo de pontas paralelas, uma espiral se
assim lhe quiseres chamar, infinito em possibilidades. Não há regresso ao que
foi antes.
Desenhas, à força da minha dor, esta linha fina e perfeita que
não se fecha e que me traz de volta aos mesmos destinos, em latitudes diferentes.
O mundo não voltará a ser igual. E eu, eu há muito tempo que
sou outra.
Cerro os dentes, há uma lágrima que escorre pelo canto do
olho, enquanto a tinta preta preenche vazios e o meu coração preenche passados.
Passo-te a minha história para que a transcrevas no pulso. Podia ser uma t-shirt
se eu ainda fosse uma garota, ou podia ser uma vida contada à mesa do café. Não
é, é outra coisa. Que talvez tenha um pouco de coragem ou valentia.
Não mentiste. Doeu bastante. Obrigada.
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