Vivemos um amor íngreme, deitado à pressa, numa cama estreita, com lençóis amarrotados. Entregámo-nos zangados, com raiva, com gritos silenciados pelo ruido da chuva intensa a bater nos vidros. O teu humor azul escuro, tão denso como a noite lá fora, ditava a queda daquela subida a pique e o desmoronar de todos os desejos que tínhamos por despertar.
Procurámos palavras que não dissemos e, não as encontrando, mantivemos o silêncio teimoso, mais por medo do que por respeito, pois de tudo o que despíramos, sobrava-nos despir a culpa que nos cobria a pele.
Toda eu doía e o teu olhar era baço e esgotado. Deitada de lado sobre o colchão ainda morno, o rosto apoiado no antebraço, a boca entreaberta, fitei-te com olhos de chocolate amargo, e não disse nada.
Quis confessar que te amava, mas já todo o amor (foi amor?) resvalava a pique pelo declive da paixão que o sublimara. Fora um instante fugaz e insano. Embrulhados, no chão, já a misturar-se com o cotão da alcatifa verde, jaziam os sonhos, amargos como os meus olhos, também.
Para não mentirmos, não fizemos promessas. Permanecemos calados, enquanto a chuva tagarela se despedaçava na calçada.
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