Deitada à sombra, na margem
daquele rio erudito, que lhe falava com palavras caras, narrando uma história
floreada e complexa, ela, num luxo descansado, deixava a luz que se filtrava
pela copa das árvores toldar-lhe os sentidos.
Ali, na penumbra, travava longas
conversas com a água que corria, incessante, ouvindo-a falar de sentimentos
servidos como iguarias, em colheres doentes, que faziam quem os tragava
sucumbir a desesperos e desejos vãos. Respondia-lhe o rio, em gorgolejos
transparentes, arrastando na velocidade saborosa da corrente as razões dos
desamores antigos e dos sonhos escangalhados.
E ela, pousando a cabeça no leito
húmido, semicerrava os olhos num meio sorriso. O rio discorria deixando-lhe a
pele descansada, lavando cicatrizes, queimaduras e arrepios, até quase lhe
levar também a memória, essa pequena pérola que, fazendo as vezes de uma ostra,
ela cerrava firmemente no interior.
Porém o rio, que além de erudito
era sensato, tinha todo o tempo do que é eterno. Nos segundos em que para ela
durava o para sempre, havia uma réstia de lembrança que lhe escapava da concha
e ele, atento, arrastava-a na corrente da solidão.
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