Claro que sabias. Assim que
puseste o pé direito no degrau da carruagem, tiveste a certeza. O trepidar do
comboio sobre os carris embalava-te os pensamentos que trazias à ilharga,
naquela bolsa de couro gasta, a tresandar a saudades. Sabias, e, mesmo assim,
não te coibiste de pedir um whisky com gelo e de abrir o jornal, como se tudo
nesse dia fosse mera casualidade. Os quilómetros passavam-te por baixo dos pés
e tu sabias que daquela janela se filtrava a luz da madrugada e que um raio lhe
batia nas pestanas ainda por abrir. Ainda assim não hesitaste. E, se alguma
dúvida vivia no teu peito, depressa a desfolhaste como as páginas do jornal à
tua frente. Soubeste o tempo todo.
Na cama, ela abria os olhos e
passava a mão pelo teu lado, já frio. Tinha a certeza de uma nota tua colada na
porta do frigorifico e talvez um beijo deixado na caneca do café. É que ela,
como sabes, não sabia. Ela acordava a pensar na lasanha que ia fazer para o almoço
e na lingerie que ia estrear. Ela levantava-se já a deitar os sonhos naquele
abraço. Contava, nas horas do dia, as que faltavam para o teu regresso.
E tu, no comboio, sorrias um
sorriso amargo e brincavas com a chave que trazias no bolso e que juravas não
voltar a meter à fechadura.
Ela saída do duche, imaginava-se a Marilyn
Monroe enquanto punha gotas de perfume entre os seios. Vestia a lingerie nova.
A cozinha a cheirar a gratinado. Ouvia o elevador e, com um copo de vinho tinto
na mão, preparava-se para abrir a porta.
O barulho da chave a entrar na
ranhura fá-la dar um passo atrás. Olha-te perplexa.
- Não era por mim que aguardavas?
– perguntas.
Comentários
Enviar um comentário