Estava de pé, junto à balaustrada, a ver os carros passarem e a fazer cálculos de cabeça sobre quanto tempo demoraria até ao embate, se saltasse. Diz-se que nos segundos que antecedem a morte uma pessoa revê de uma assentada toda vida. E isso era coisa que não queria. O que queria era, precisamente, o inverso. Pode pensar-se que o inverso de recordar é esquecer. No amor, não é. No amor, o inverso de recordar, é recordar de outra maneira. Como quem não amou.
E então lá estava, com o corpo a pender entre o desalento e o vazio, sem decidir se ia ou se ficava. Não temia a morte. Também não temia a vida. Já a dor, causava-lhe enorme angústia.
“Não se morre de amor. – Meditava - Romeu bebeu veneno e Julieta, num impulso corajoso, cravou no peito o punhal do seu amado. O amor não mata ninguém. São os acasos que causam as maiores tragédias.”
Um raio de sol irrompeu por entre as nuvens, desenhando-lhe uma pequena figura na mão, semelhante a uma gota. Um melro cantou. A fitar o desenho, acrescentou – “De amor também não se vive.” – e ergueu o olhar, procurado o pássaro.
Depois, talvez por capricho, pegou no copo de vinho que pousara no parapeito e recuou um passo, optando pelo inverso. Não porque pudesse recordar de outra maneira. Muitos acasos passariam antes disso.
“De amor não se morre. De amor também não se vive.”
E das tragédias? Por ora, teria o esquecimento que bastar-lhe. Porque se o raio de sol não lhe tivesse pousado na mão. Se o melro não tivesse, depois, batido as asas. Amá-lo-ia como a uma despedida, já a virar as costas. Porque as histórias de amor são guiadas por tantos acasos que é um milagre quando há uma que sobrevive.
Foto de Tiago Lourenço (@the.tiagolourenco)
Comentários
Enviar um comentário