- Quando é que eu errei? – pergunta ele.
- Não erraste. Só não estavas certo.
Ele fica em silêncio. Remói a resposta. Ouvem-se-lhe os pensamentos pelo meio das gotas de chuva. Ela observa os desenhos da água a escorrer nos vidros e pensa que se parecem com as palavras que ele não diz, a escorrerem-lhe pela pele.
Os olhos dele estão presos numa ideia distante, que ela pressente, mas não vê. Finalmente estremece, como a chegar de um sonho. Afaga o queixo com o polegar e o indicador, entreabre os lábios, ensaia um som. Procura o timbre certo.
- Pensei amar-te – murmura - Mas depois pensei melhor.
Tem chuva na voz. Ela encolhe-se, açoitada. Quer retaliar, ser cruel. Quer que ele saiba como dói quando lhe chove por dentro. Levanta-se. Deixa cair ao chão a manta que enrola os medos. De costas, estende as mãos esguias ao calor da lareira. Concentra-se no tremor que lhe sobe pelas pontas dos dedos. Recolhe o frio. Quando se volta, sorri.
- Eu sei que pensaste. Sei das horas sem sonhos, quando a chuva era gentil e a noite valia todas as tempestades. Sei do tempo que parava, quando de nós te sobrava apenas uma ilusão. E uma ilusão de amor é um amor que dura para sempre. Sei de todos os desejos que mentiste. Só por isso te perdoo. Também eu seria capaz de te amar, se quisesse. E quis. E também eu pensei melhor.
Ela cala-se e encara-o, por fim. Os olhos dele são dois dilúvios a chover por dentro. Quer amá-lo. Viver por ele. Morrer de privação dele.
Num momento fugaz, ele rende-se. Quer dizer-lhe o que ela sabe. Quer merecer a raiva dela. Mas, quando fala, já se reencontrou.
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