Avançar para o conteúdo principal

Nós, mulheres

 


Hoje o dia começou de forma diferente.

Estava nervosíssima. Nunca tinha feito nada semelhante e estava nervosa.

Levantei-me cedo, tomei pequeno-almoço rápido, fui levar a Ritinha aos vizinhos para não fazer barulho e sentei-me na sala, caderno de apontamentos aberto, garrafa de água, experimentando a luz.

Convidaram-me para gravar um pequeno programa sobre o machismo. E eu, a escrever nado em águas que conheço. Já a falar, tenho receio de perder o pé.
O meu maior receio era ficar, subitamente, sem nada para dizer e instalar-se um silêncio incómodo, comigo especada a olhar para a câmara e as minhas interlocutoras, embaraçadas, a pensar na argolada em que se tinham metido quando acharam que era uma boa ideia darem-me esta oportunidade.

Afinal, nada disso aconteceu. Mais tempo houvesse e mais teríamos conversado porque, afinal, nós mulheres, somos parecidas. Temos dores parecidas. E precisamos de falar sobre elas. E precisamos de ouvir sobre elas.

Séculos de história, e de histórias, vincaram este estigma que nos marca e que tem de nos unir. Todas as mulheres o sentem nalguma altura da vida, com uma violência em variados graus. E quase todas as mulheres, em certa situação, se calam. Se encolhem. Deixam passar. Desvalorizam-se. E arcam com culpas que não lhes pertencem. E está errado. Tudo errado. O machismo dos homens, a permissividade das mulheres e, pasme-se, o machismo de algumas mulheres.

Os homens têm uma camaradagem que nós, mulheres, não temos. Quando um homem é idiota, os outros cerram fileiras em redor e entram na idiotice. Quando uma mulher é idiota, as outras crucificam-na. E isso contribui para expor fraquezas alheias e incentivar comportamentos sexistas.

Quantas vezes as mulheres são as primeiras a apontar o dedo ao comprimento da saia de outra, à maneira como conversa com um homem, como dança, como anda. Quantas vezes riem de outra à socapa, dizem que teve o que mereceu, que vai com todos, que é uma puta.

O homem que diz do seu parceiro casado que anda por aí no engate? Ah garanhão! Grande macho!

E é este o paradigma. E temos de o inverter.

É bom que mulheres, à volta do globo, se sentem numa manhã de domingo para falar sobre isso e sobre o que estão dispostas a fazer para mudar mentalidades. E é bom que mulheres e homens pensem e reflitam.

Aguardo, ansiosamente, a publicação do vídeo e agradeço, do fundo do coração esta iniciativa e a oportunidade de participar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

It’s beginning to look a lot like Christmas.

  Is it? Montei a arvore. O presépio. Fiz arroz doce. Acendi as luzinhas e inspirei fundo o ar frio a ver se dezembro entrava. Não sei o que se passa com o tempo. Ou se é com o tempo que se passa. Faltam 20 dias para o Natal e eu esqueci-me da playlist pirosa e da coroa do advento. As figuras do presépio parecem-me só figuras. Comi uma rabanada que me enjoou ao ponto de prometer não comer nenhuma mais. Se calhar não é o tempo. Se calhar sou eu, que ando perdida por setembro de 2020, quando os pores do sol eram intermináveis e cria que no ano seguinte já tudo estaria bem. O ano passado aguentei o Natal esquisito, a ausência de abraços, de colos, de mesas barulhentas, de jantares com amigos, de famílias sem medos. O virar do ano tranquilo, resguardado, sem fogos de artificio e outras companhias, pareceu-me um bom augúrio para o que viria em 2021. Mas este ano está difícil. Não me saem da cabeça as palavras à mesa do dia 1 “tenho a sensação que 2020 vai ser um ano extraordin...

Virada do avesso

  Às vezes o dia vira-me do avesso. Ou as pessoas. Ou o tempo. Às vezes é porque está sol e vento. Ou chuva e frio. Ou porque anoitece demasiado cedo. Ou porque as horas não me chegam. Ou porque o tempo não passa. Fico indecisa se me apetece gritar ou afundar-me no sofá debaixo de um cobertor. Tenho uma vontade imensa de comer porcarias. Não como para não me irritar ainda mais com a balança. Bebo café demais. Fico elétrica para vencer a letargia. Quero praia, mas seria incapaz de tirar a roupa para mergulhar. Tudo me irrita. Sei que fico difícil de aturar. Como quando tenho sono ou fome. Sei que quando estou assim, acaba por levar quem não tem culpa. E, por esse motivo, os anos ensinaram-me a tentar ficar calada. Teclo respostas azedas a e-mails estúpidos. Apago e rescrevo, com secura diplomática. Ignoro mensagens e chamadas. Se não querem uma resposta torta, não falem comigo. Desculpem lá, mas “jogo de cintura” não faz o meu género. Nem gente com a mania de que é don...

Desculpa-me

  Pedes desculpa, mais uma vez. A súplica vibra-me nos tímpanos e eu esqueço. Escancaro os braços, a vida. Esfrego os hematomas e ergo, para ti, as sombras do olhar. Regresso. Entro a porta, esquecendo-me porque saí. Puxo a miúda, rabugenta, pelo pulso. Faltam-me dois molares. Digo que uma cárie os levou. Ela minga quando te aproximas. Com os olhos baços, limpa o ranho à blusa. - Desculpa. – Dizes-lhe também a ela. Faz-se pequena, duvida. Na manhã seguinte, arranco-a da cama, cedo demais. Enfio-lhe o leite pela goela, ansiando que não faça barulho, para não te acordar. Sento-a no colo e pesa-me o embaraço. Beijo-lhe o cabelo com lábios amachucados. Deixo-a na cresce, sem tirar os óculos. Raspo uma nódoa seca da camisola. O recado da educadora flutua através de mim. Volto. Numa inspiração perversa, chamo a isto lar. Faço café. Escaldo a garganta com um gole amargo. Estremeço ao sentir a tua mão na cintura. Cheiras a dia lavado. - Vai ser diferente, agora. Quero c...