Olho-te. Nos sonhos, que é quando me sinto à vontade. Longe
de vislumbres teus.
Sozinha. Foi assim que me deixaste. A apanhar os restos,
espalhados pela carpete.
Dei-te tudo. Dei-me toda. Consolo-me nas sobras de uma
ausência magoada. Dóis-me em todos os ângulos.
Aninho-me a um canto. A sala está fria porque me dá a
preguiça de a aquecer ou porque me dá ganas de castigar o corpo. Gela-me,
ainda, a pele, o inverno que trazias nos olhos. Onde antes fazias fogo,
deixaste um negrume de fazer inveja ao carvão.
E eu. Olho as mãos que outrora te desenharam contornos. A
língua humedece os lábios entreabertos e fecho os olhos beijando-te. Depois
revejo-me sozinha. Foi assim que me deixaste. A beijar gotas no ar. Percorro a
coxa, num contacto quase fingido, e eriçam-se os pelos ao toque. Há um gemido
que arranha a vontade que de ti se lembra. Afasto as pernas, engano a tua
chegada com uma caricia que não é tua.
Do orgasmo desamparado, desbravo caminho ao afeto por mim
própria. Sou eu, no epicentro do cataclismo. Todo o desamor que cultivaste fez
crescer esta paixão.
E, agora, eu.
Um corpo morno e macio, ansioso de fomes, desnudo de
pudores, livre das grilhetas.
Eu. Sozinha nesta exaltação. Eu, a descobrir-me. Vibrante de
promessas e prazeres. A sair debaixo do teu jugo, dessa simbiose que inventei,
convencida que eras tu a razão do amor. Não eras. Não és.
Quero que te fodas.
Perdoo-me das derivações, das noites mal dormidas, das
lágrimas.
Com perdão, despeço-te.
Olho-me. Sem sonhos, com o enlevo. Enamoro-me. Desponto,
mulher inteira, desses restos na carpete. Sublime. Quente, húmida, derivando
noutros pecados.
Foi assim que me deixaste. Só não deixaste saudades.
Apenas eu, que em êxtase me basto.
Eu. E um amor narcísico.
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