Laura permanece sentada no sofá,
sem dar conta do tempo a passar. Já não é na mulher morta na praia que pensa.
Pensa em Helena.
Quando a conheceu, Helena
irradiava vivacidade. Tinha olhos de gato que mudavam de cor consoante as
emoções. Podiam ser amarelo rancoroso, quase manteiga rançosa, podiam ser
brilhantes como pálidas esmeraldas. Tudo em Helena era paixão, era forte, era
puro. Plena de convicções e vontades. Laura refletia muitas vezes que gostaria
de ser um pouco assim, ter aquela força.
Até ver Helena quebrada. Na
queda, Helena também foi grandiosa. Partiu-se com estrondo, estilhaços a voar
por todo o lado. E foi assim, em cacos, que Laura a encontrou. Foi assim que a
apanhou do chão, com o sangue seco no rosto e o lábio inchado, o corpo a
tremer, quase nu. A blusa rasgada a denunciar todo o estrago interior.
Levou Helena ao hospital e
acompanhou-a à esquadra. Sentou-se com ela à beira-mar e pegou-lhe na mão. As
ondas recolhiam, enrolavam e espraiavam aos seus pés numa cadência imutável.
Mas os olhos de Helena não viam. Tinham perdido o brilho e as variâncias de
cor. Foi numa voz monocromática que lhe contou como se tinham sucedido os
abusos e como ela tinha desculpado, permitido. Falou-lhe da sua vergonha, do
orgulho que lhe fechou a boca. E enquanto falou, rolaram-lhe pelas pestanas os
últimos resquícios de esmeraldas.
Depois dessa tarde, Helena deixou
de atender o telefone quando Laura ligava. Nas raras vezes que se cruzaram,
Helena vinha com pressa. Laura soube, posteriormente, que a queixa havia sido
retirada.
Sente uma mão no antebraço e
estremece.
- Mamã, a que horas chega o papá?
Olha para o filho, tão pequeno
ainda, os pezinhos de dedos gorduchos a arrefecer no chão de mármore, e
levanta-se. Pega no menino ao colo, apertando-o contra si.
- Não sei Miguel. A mamã vai-te
contar uma história.
De joelhos ao lado da cama do
filho, afaga-lhe o cabelo transpirado. A respiração é tranquila e tem um
pequeno sorriso, de quem se diverte no primeiro sono.
Sente a ternura transformar-se em
raiva, um grito encurralado na garganta. Será que Eduardo dá conta de todos os
pequenos momentos que lhe fogem por meio de repetidas ausências?
Perante a recordação demasiado
nítida de Helena desabando convulsivamente nos seus braços, Laura, a medo, interroga-se
onde fica o limite para as desculpas. Até onde vai permitir e permitir-se?
Comentários
Enviar um comentário