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Gosto de ti quando estás triste. Gosto de ti quando tens medo. Gosto de ti quando a ansiedade te impede de ouvir o que te digo. ou quando te zangas com o que ouves. Gosto de ti sempre.

Claro que gosto de te ver sorrir. Mas não é pelo sorriso que gosto de ti. Não, não tens de estar feliz.

Quando estiveres triste, estarei aqui, à espera que me contes das razões que te entristecem. Ou que não digas nada, se não quiseres. Manda-me embora, se quiseres estar só. Se me chamares, eu volto. 

Podes demorar os teus tempos, todos os tempos. Eu tenho tempo. Para ti, tenho sempre tempo. Mesmo que andes triste muitas vezes. Mesmo que as razões me pareçam parcas ou frouxas. Ou que nem tenhas razões. Se estiveres triste, se te zangares, se te acometer a angustia, continuo aqui.

Não para te convencer de que não há motivo para tal. Não para te dizer que vai ficar tudo bem, que está tudo bem. Porque não está. E não faz mal.

Não te pedirei para sorrires e seres forte se precisares de chorar. Não te lembrarei de tudo o que eu acho que tens para te fazer feliz. Podes zangar-te. Podes gritar. Tens o meu colo, o meu abraço. O meu silêncio, se preferires que não diga nada. a distância que te der conforto. 

Não tenho receio de gente triste. Não acho a tristeza enfadonha. Eu estou triste muitas vezes. E tenho imensos medos. E crises de ansiedade que me fazem acreditar que vou morrer com falta de ar ou com um enfarte fulminante. E não adianta dizerem-me que estou bem, porque a meio de uma crise, tenho a certeza absoluta de que só o INEM me pode salvar. Às vezes, a meio da noite, acordo sobressaltada como se estivesse a afogar-me. Outras vezes, choro. A maior parte das vezes, não conto a ninguém. Não quero que me julguem nem que se julguem, por aquilo que eu estou a sentir.

Às vezes, encontramo-nos num lugar escuro e fundo, de onde não temos a certeza se queremos sair. Às vezes, a escuridão é o único sítio onde conseguimos lidar com o que nos esmaga. E não faz mal.

Dentro de mim, há emoções de todas as cores. E todas elas são minhas. E todas elas são válidas. E, ocasionalmente, não sei como lidar com algumas. E não faz mal.

Não tens que sentir vergonha pelos teus medos, pelas tuas angústias, ou pela tua tristeza. Nem eu. A tua tristeza não é uma acusação para ninguém. nem a minha. Por isso, se quiseres, posso ser o teu amparo. Posso tentar ajudar-te a encontrar um caminho. Não te vou prometer que é curto, ou fácil, ou que está cheio de luz e arco-íris no final. A única promessa que te faço é que não te largo a mão. E que, se me sentir fraquejar, te digo.

E havemos de encontrar uma solução. Não temos pressa. E não faz mal.

 

(A propósito da Simone Biles, das emoções com que não lidamos, dos sentimentos que escondemos e da ditadura da felicidade)

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