Vai
(Trago flores e
um doce, avó).
Sentavam-se na cozinha e ela, embalada pelo bater das agulhas, molhava a
torrada no café com leite. As pupilas, tremendo, acompanhavam o correr da
malha, a lã grossa de ponto incerto, as mãos nodosas. “Vou fazer-te um gorro, Ana. Que cor queres?”,
“Quero bege, avó”. Na semana seguinte, o novelo de lã vermelha na cesta, ao
lado da poltrona. Xaile pelas costas, os cotovelos entalados entre os braços de
veludo puído. “Gostas, Ana?”, “Gosto, avó”. E o leite morno a apagar as
lágrimas na garganta.
Numa tarde húmida, uma malha a fugir, um remate a mais. “Fazes o pompom, Ana?”,
“Sim, avó.” Um pompom grande, redondo, pregado no topo. As mãos, caídas no
colo, a agulha a pender das artrites dos dedos. A caneca de leite virada, o
líquido a escorrer até ao chão. A pressa de chegar antes da morte. As agulhas silenciosas
e Ana, de joelhos no leite morno, abraçando o colo e as lãs.
Ao fundo da rua,
à esquerda, erguem-se os ciprestes do cemitério. Enfia a mão no bolso e sente o
creme nos dedos. Pelo meio da música, pressente o ruído da pá a arranhar a
terra solta e as lágrimas perdem-se sem rumo. Deixa cair os antúrios e mete, às
cegas, pela viela, à direita. Encontra uma pastelaria. Entra e pede um galão
morno.
(Desculpa, avó, troquei
os caminhos).
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