Vais ter de
mudar de casa, lamento, já não cabes aqui. Empacotei as tuas coisas. Quero que
saias já. Fiz a partilha sozinha porque a casa é minha.
Levas as noites
quentes, o meu sorriso e a televisão. Ah, e levas também os orgasmos. Metade
eram falsos.
Com as
madrugadas fico eu. São as horas em que escrevo melhor. Também guardo o
cobertor e o gato. Não precisas de confortos.
A culpa, deitei
fora. Não tapava nem frinchas.
Pelo meio das
arrumações, encontrei um bilhete, pingado de café, “compra-me tampões. SEM
APLICADOR!”, com um coração no canto, a piscar o olho. Rio-me. Sobra de nós uma
hemorragia inútil. Abro uma garrafa de tinto e sento-me, no chão da cozinha, a
brindar aos infortúnios.
Tens à porta a
mala e dois caixotes. Levas o bengaleiro, detesto os casacos pendurados na
entrada. E os amigos, com quais ficas? Que sejam eles a escolher. Por mim, dois
ou três bastam.
Não toques à
campainha. Vê lá se, ao menos desta vez, trazes a chave contigo.
Deitei a tua escova
de dentes na sanita. Quero lá saber se entope. Não havendo homem em casa, chamo
o canalizador. Já estou farta dessas merdas de que vais tratar de tudo. Ficam canos
a gemer e os tampões por comprar.
Nada disso
interessa, é tarde para nos darmos a conversas. Os diálogos que travámos, na cama, envoltos em
muco e mágoas, de pernas abertas, rasparam-nos a pele. Amámos em círculos e
quedámo-nos a lamber feridas. Tantos desejos por confessar.
Vai depressa,
que não me cabes.
Viro o colchão
ao contrário para ficares no avesso. Orgasmos, se os houver, serão de verdade.
Amanhã troco a
fechadura, não vás tu lembrar-te de voltar a entrar.
foto de @the.tiagolourenco
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