“A
produção da pérola pela ostra nada mais é do que um
mecanismo de defesa do animal, quando ocorre a penetração de corpos estranhos entre
a concha e o manto.”
O menino enrola
o corpo sobre o ursinho e eu, numa voz que arranha a garganta, digo-lhe que lá,
para onde vai, o céu tem cor de rebuçado e as nuvens são tão fofas que parecem pular.
Afago-lhe o
cabelo escuro e ele encolhe-se. Embalado pela cadência das ondas, murmura para
o peluche, numa língua que só os dois conhecem. Tem no rosto o sal de muitas
lágrimas. O urso responde-lhe, pois outro préstimo não tem.
É uma criança e
devia ser feliz. Não foi para a felicidade que deus inventou as crianças? Que
ironias são estas? Que crianças, de que deuses?
O negrume do céu
funde-se no oceano trágico. O brilho das estrelas é uma paródia neste lugar
inóspito onde os mergulhos se revestem de poética macabra. Nas latitudes onde a
corrente é opaca e gélida, homens morrem de sede, rodeados de água. Se vencida
a noite, vem o sol, num laivo cruel, ressequir lábios e rebentar a pele. As
crianças, apertadas entre corpos suados, desidratam o que têm para chorar.
O menino, no meu
colo, persiste no monólogo a duas vozes. De espaços a espaços, treme. E a mim
treme-me a fé nos homens e nestes deuses que deixam afogar filhos e pais e
mães.
Desconheço as
palavras, mas sinto a entoação das sílabas.
“Onde está a
minha mamã, damya?”
“A tua mamã
já não volta, Habib, tens de ser forte. “
“Eu sou só
uma criança, damya.”
“Pois és, Habib,
pois és.”
O menino,
criança-concha, despojado do amor que, por direito, lhe pertencia, envolve o
ursinho, nutrindo-o como a pérola que o defende da crueldade em redor.
Comentários
Enviar um comentário