Avançar para o conteúdo principal

Febre e saudades


7h14m toca o telefone.

Tinha chegado uma mensagem às 7h12m que não ouvi. Mostrava o visor de um termómetro. A menina da mãe tem febre e não importa se tem 24 anos e se está a 317km de distância, tem febre, precisa de falar com a mãe. Não há nenhuma idade a partir da qual as meninas deixam de precisar de falar com a mãe, assim como não há nenhuma hora em que as mães não acordem se as meninas precisarem.
É curioso, porque eu tenho péssimo feitio quando não durmo. Quando o sono bate fico mesmo insuportável e escusam de tentar falar comigo, se não estiverem preparados para trombas e uma resposta torta. Detesto barulho de noite, detesto que me acordem, detesto que não me deixem dormir o suficiente. Nisso dou a mão a palmatória, sou horrível.
Dizia eu então que é curioso porque aquele telefonema matutino não me irritou (pelo menos tanto quanto seria espectável). Faltavam 46 minutos para o despertador tocar, o que é uma hora péssima para abrir os olhos pois já custa voltar a adormecer e quando o sono está a ficar profundo, toca a levantar. Para além disso, é sábado, e não há boas razões para acordar às 7h14 ao sábado. 
Acresce que eu não posso fazer nada relativamente à febre da minha menina e tenho que delegar o tratamento e o mimo na minha própria mãe, portanto o telefonema e, consequentemente o meu despertar, não era sequer útil.
Apesar de tudo isto, e conhecendo-me ela melhor que ninguém, foi para mim que ligou. Diz o irmão "porquê? Ela não tem 24 anos? Não tem lá gente com ela?" e eu respondo "sim, tem” e sorrio. Diz a minha mãe “Mas porque é que ela ligou para ti em vez de me chamar?” e eu respondo “não sei” e sorrio.
Com um sorriso a desenhar-se-me nos lábios e com a perfeita noção do quão self-centred isto soa, penso em como esse telefonema me deixou consolada. Não pela febre, obviamente! Essa é uma preocupação. Mas pela vontade que ela tem de colinho, do meu colinho, do mimo da mãe. Por saber que seja qual for a distância entre nós ou qual a hora do dia ou da noite que se registar no relógio, ela chama por mim.
A minha menina.

É possível que o meu discernimento esteja um pouco toldado pelas saudades e que tudo isto pareça um bocado absurdo, mas dêem-me um desconto: Já lá vão quase 3 meses sem nos vermos e as saudades são mesmo, mesmo, muitas.
É sabido que as saudades, tantas vezes, causam muito mais mossa que a febre.


Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

It’s beginning to look a lot like Christmas.

  Is it? Montei a arvore. O presépio. Fiz arroz doce. Acendi as luzinhas e inspirei fundo o ar frio a ver se dezembro entrava. Não sei o que se passa com o tempo. Ou se é com o tempo que se passa. Faltam 20 dias para o Natal e eu esqueci-me da playlist pirosa e da coroa do advento. As figuras do presépio parecem-me só figuras. Comi uma rabanada que me enjoou ao ponto de prometer não comer nenhuma mais. Se calhar não é o tempo. Se calhar sou eu, que ando perdida por setembro de 2020, quando os pores do sol eram intermináveis e cria que no ano seguinte já tudo estaria bem. O ano passado aguentei o Natal esquisito, a ausência de abraços, de colos, de mesas barulhentas, de jantares com amigos, de famílias sem medos. O virar do ano tranquilo, resguardado, sem fogos de artificio e outras companhias, pareceu-me um bom augúrio para o que viria em 2021. Mas este ano está difícil. Não me saem da cabeça as palavras à mesa do dia 1 “tenho a sensação que 2020 vai ser um ano extraordin...

As meninas vão para a escola

  A natureza prossegue, indiferente. Todos os anos, quando começa setembro, daquela terra adormecida e inóspita, um caule verde, comprido, fura o seu caminho que culmina numa flor de campânula cor-de-rosa. Ensinaram-nos, na ilha Terceira, depois de cavarmos com as mãos os bolbos, à beira da estrada, que se chamam "meninas-vão-para-a-escola" por florirem sempre nesta altura do ano. Passaram 22 anos desde que ouvimos essa história. No dia 1 de setembro de 2004, quando foi cercada a escola de Beslan, na Rússia, que resultou na morte de mais de 330 pessoas, entre as quais 186 crianças que regressavam à escola, o vaso também floriu. Nesse ano, passou a ter por companhia um anjo branco a lembrar os meninos que em mais nenhum setembro voltariam à escola. Este ano, em todo o mundo, o regresso à escola é diferente. As meninas-vão-para-a-escola e os meninos também, porque tem de ser. Para bem deles, dos pais, dos professores, da economia. Com mais receios ou menos, com a angústia mai...

Virada do avesso

  Às vezes o dia vira-me do avesso. Ou as pessoas. Ou o tempo. Às vezes é porque está sol e vento. Ou chuva e frio. Ou porque anoitece demasiado cedo. Ou porque as horas não me chegam. Ou porque o tempo não passa. Fico indecisa se me apetece gritar ou afundar-me no sofá debaixo de um cobertor. Tenho uma vontade imensa de comer porcarias. Não como para não me irritar ainda mais com a balança. Bebo café demais. Fico elétrica para vencer a letargia. Quero praia, mas seria incapaz de tirar a roupa para mergulhar. Tudo me irrita. Sei que fico difícil de aturar. Como quando tenho sono ou fome. Sei que quando estou assim, acaba por levar quem não tem culpa. E, por esse motivo, os anos ensinaram-me a tentar ficar calada. Teclo respostas azedas a e-mails estúpidos. Apago e rescrevo, com secura diplomática. Ignoro mensagens e chamadas. Se não querem uma resposta torta, não falem comigo. Desculpem lá, mas “jogo de cintura” não faz o meu género. Nem gente com a mania de que é don...